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A Quarta Sinfonia de Brahms

As sinfonias de Johannes Brahms distinguem-se pela combinação virtuosa de um planeamento formal rigoroso com uma expressividade pungente. Provém daqui um efeito atordoante: rasgos de invenção sublimes que despontam de uma aparência previsível e respeitadora das convenções clássicas. Os primeiros e últimos andamentos denotam um labor criativo muito grande e são os pilares que sustentam as obras. Pelo meio, dispõem-se dois andamentos relativamente mais desprendidos que convidam à apreensão espontânea. Em qualquer dos casos, destaca-se uma extraordinária concisão das ideias. Na quarta (e última) sinfonia, de 1884, este desígnio é particularmente bem conseguido.

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O início da quarta sinfonia de Brahms dispensa cerimónias, um pouco à semelhança da oitava sinfonia de Beethoven. Sem qualquer preparação, o tema melódico irrompe com determinação, mas não esconde uma vaga impressão de lamento e resignação. É curioso saber que em 1896 o compositor recuperou na terceira das suas Quatro Canções Sérias (Op. 121) esses mesmos intervalos titubeantes, numa melodia em que se canta «Oh morte, Oh morte». Também é bom lembrar que esta mesma sinfonia, estreada em Meiningen em 1885, foi tocada em Viena no concerto em que Brahms se mostrou pela última vez em público, um mês antes da sua morte, em abril de 1897. Nessa mesma altura, também em Viena, Sigmund Freud trabalhava no livro A interpretação dos sonhos. Sugere-se assim que nesta sinfonia, e sem nunca comprometer o rigor formal, Brahms apela a uma escuta exclusiva e introspetiva por parte do ouvinte. Para acompanhar o seu discurso, impõe-se buscar sentidos que vão bastante além da rotina quotidiana. Abra-se então «o livro», com quatro andamentos majestosos que se escapam por entre as palavras.

A disposição expressiva do primeiro evoluiu gradualmente, terminando num clima desanuviado. Contrastante, a aparição do segundo tema melódico distingue-se com facilidade e deriva em sonoridades que lembram as paradas militares. Já a secção de desenvolvimento, explana-se de maneira comedida, mas dramaticamente eficaz em virtude da obstinação com que articula as ideias originais. Reserva-se o aparato criativo para os derradeiros compassos, onde toda a orquestra é convocada para uma coda retumbante. Já o segundo andamento, lento, foi descrito por Richard Strauss como uma marcha fúnebre. Porém, o seu lirismo melódico remete para outras associações. Sendo verdade que as trompas e o timbre velado das madeiras discorrem sobre uma lentidão cadenciada que lembra cenários pesarosos, logo as cordas pulsadas e as harmonias reluzentes transmitem sensações bastante mais otimistas. Esta interpretação vê-se reforçada pela extroversão do terceiro andamento. Manifesta-se aí a faceta mais rústica do compositor alemão, alimentada por uma energia vital e uma jovialidade contagiantes. Mas o último andamento retoma o registo mais pessimista, procedimento pouco usual nas sinfonias oitocentistas. Entrega-se na evocação da técnica da passacaglia barroca, demonstrativo da reconhecida mestria de Brahms no âmbito da técnica de variações sobre um tema. Neste caso, reconhece-se um tema alusivo do coral final de uma cantata de Bach, que se ouve aqui recriado cerca de 30 vezes ao longo de 10 minutos de música.