O Projecto MUSICAR viabilizou a cooperação da Metropolitana com instituições, entidades e particulares (stakeholders) vocacionados para a deficiência visual e para a surdez. Projeto-piloto, inaugurou sinergias entre entidades parceiras para o desenvolvimento de iniciativas musicais de cariz artístico-pedagógico e performativo ao longo de três etapas de concretização. Nesse sentido, no projeto foram coligidas e aplicadas práticas de intervenção de proveniências diversas previamente ensaiadas em projetos artísticos destinados à inclusão de pessoas cegas e surdas previamente identificados na candidatura (Projetos “Filarmónica Enarmonia” e “Mãos que Cantam”), extrapolando-se o âmbito a ações desenvolvidas em outros projetos de atividade pontual ou há vários anos inativos (Projetos “Ver para Crer” e “RitmoS”).
A aprendizagem, discussão e experimentação dessa confluência de práticas iniciou-se de modo frutífero nos laboratórios e em ações de formação ministradas pelas equipas de anteriores projetos, revelando-se profícua nos ateliês seguintes e nas aulas lecionadas pelo corpo docente da Metropolitana. Culminou com sucesso, enquanto modelo de atuação integrado, no Concerto Final.
Muitos professores de música, grande parte deles em início de carreira, beneficiaram de formação especializada e tiveram a oportunidade de lecionar a alunos cegos e surdos, e assim compreender e familiarizar-se com as exigências do ensino e convívio com estas comunidades, bem como assimilar e aplicar um conjunto de metodologias que se têm revelado profícuas para o ensino da música às mesmas.
Além dos 17 professores e alunos graduados da Metropolitana, participaram no projeto outros 20 interessados, o que reforça o contributo desta iniciativa da Metropolitana na disseminação e aplicação de orientações e metodologias para o ensino de pessoas com cegueira, baixa visão e surdez em outras instituições de ensino artístico.
Na segunda fase de implementação do projeto, a prática musical foi garantida às comunidades participantes, em coro e em classes de percussão. A compra de instrumentos, a disponibilidade manifesta de vários dos professores que frequentaram a formação inicial e uma cuidada aplicação dos fundos possibilitou que se garantissem aos participantes cegos e surdos o complemento da aprendizagem de um instrumento – esta atividade não foi especificada na candidatura, mas foi concretizada com êxito e registada com particular satisfação pelas entidades parceiras.
Ante as dificuldades logísticas para a participação de alunos surdos no projeto nos horários pré-estabelecidos, a Metropolitana foi ao encontro das três escolas locais de referência para esta comunidade, as quais acolheram o projeto durante as respectivas 10 semanas. Esse empenho adicional da Metropolitana para garantir em pleno o usufruto do projeto a todos os que se pudessem interessar pela prática permitiu a prática regular de música a grupos da comunidade estudantil infantil, jovem e adulta, bem como a recuperação, concepção e transmissão de novas metodologias de prática musical com alunos surdos aos professores dos respetivos estabelecimentos de ensino.
Para os cerca de 70 alunos cegos e surdos, a frequência do projecto MUSICAR trouxe-lhes a perceção da possibilidade real de experimentarem o ensino e a prática artística. Despertou o sentido de uma igualdade de oportunidades que se vai fortalecendo, por não ser mais um projeto realizado por uma entidade vocacionada, mas sim outro, encetado por um reputado estabelecimento de ensino artístico que abria a sua oferta formativa a todos. O vínculo ao projeto destes participantes foi óbvio na sua frequente assiduidade, bem como no empenho que assumiram na preparação e realização do Concerto Final.
A prática regular de instrumento e de ensemble nas aulas da segunda fase do projeto potenciaram também o seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor e o incremento de competências sociais: para cegos e surdos, a prática musical reforçou o seu auto-sujeito, incutiu-lhes o sentido de superação e concentração e incrementou a sua autonomia na prática artística. Especificamente, a prática musical realizada na Metropolitana trouxe os benefícios a participantes com comorbilidades, favorecendo a estimulação cognitiva em alunos adultos surdos e em cegos com síndrome de Allström (perda progressiva da audição). A esse respeito, a Metropolitana atendeu, sem qualquer pretensão de satisfazer prescrições terapêuticas, a tais casos específicos de alunos com comorbilidades, procurando incorporar aconselhamentos fornecidos pelos alunos e por técnicos competentes nas áreas médicas.
O Concerto Final, que constituiu o corolário de um modelo de ação pedagógica e artística com grande complexidade técnica e logística, articulado com o contributo de associações e entidades vocacionadas, permitiu mediatizar a importância do combate à discriminação das diferenças, em particular no que respeita ao acesso à cultura e ao ensino das artes. O palco é, por excelência, um lugar de representação que favorece a inscrição da presença de todos e o combate a fatores de exclusão.
O concerto final, realizado na semana anterior à celebração do Dia Europeu para a Pessoa com Deficiência e numa das mais prestigiadas salas de espectáculo de Lisboa contou com a participação da Orquestra Metropolitana de Lisboa, do seu diretor artístico, maestro Pedro Neves, do maestro cego Adrian Rincón, do pianista cego Jorge Gonçalves, de um coro participativo com 32 pessoas cegas e normovisuais e um ensemble de percussões formado por 45 alunos surdos.
A 29 de novembro, 528 pessoas lotaram o São Luiz Teatro Municipal para assistir ao Concerto Final, o que garantiu, da melhor forma, o propósito de sensibilizar a comunidade para o mérito artístico das pessoas cegas e surdas, para reformular o sentimento de complacência e fazer despertar a admiração por esta comunidade, em suma, para a naturalização da pessoa com deficiência.
A estreia absoluta de uma obra para orquestra, coro e percussão, expressamente criada para o concerto MUSICAR, possibilitou a interpretação conjunta de músicos normovisuais, ouvintes, cegos e surdos, o que incrementou essa naturalização. Nesse sentido, asseverou-se a importância das boas práticas e recomendações apreendidas nas ações de formação e o importante resultado do trabalho com profissionais experientes nesta área. Destacou-se também a utilidade da metodologia desenvolvida para a prática de percussão, o que permitiu coordenar a interpretação conjunta de alunos provenientes de vários agrupamentos escolares.
Comprovou-se também a competência adquirida por músicos e pelas equipas de produção e comunicação da Metropolitana para o acolhimento destas comunidades não apenas em concertos, mas também em palco.
Procurando assegurar o acesso pleno às artes das comunidades participantes, a Metropolitana visou também tornar inclusivos todos os concertos da Orquestra Metropolitana de Lisboa (cerca de 80 em cada temporada), imprimindo em braille um resumo dos programas de sala, divulgando, junto das entidades vocacionadas parceiras, a sua programação e garantindo entrada, por convite, a cegos e surdos em concertos comemorativos da instituição.