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Recomendação de Boas Práticas

Este projeto permitiu à Metropolitana arriscar a intervenção num âmbito de ação que se mantinha excluído da programação regular das suas escolas e das suas orquestras. O cofinanciamento do MusicAIRE, assim como os objetivos e planeamento contratualmente estabelecidos, proporcionaram reunir as circunstâncias ideais para desenvolver um exercício pedagógico e artístico de caráter eminentemente exploratório, no sentido em que se trata de território em grande medida por desbravar. Ultrapassados os períodos de isolamento impostos pela Pandemia de COVID-19, foi importante recuperar a confiança e voltar a juntar as pessoas em torno da música. Entre o muito que se aprendeu há várias ilações a destacar.

É importante oferecer formação específica aos professores de música para ensinar alunos com necessidades especiais – o domínio dos rudimentos da Musicografia Braille é disso um bom exemplo. Como qualquer outra disciplina, o ensino da música exige muitos conhecimentos e dedicação. Mas também depende de fatores diferenciadores. Numa área tão competitiva como é o caso da música na atualidade, os recursos pedagógicos e as aptidões distintivas podem traduzir-se em vantagens no mercado de trabalho, designadamente para os profissionais mais jovens conquistarem posições auspiciosas. Para lá disso, representa uma oportunidade de realização pessoal e profissional extremamente gratificante e sustentável a longo prazo, enquanto complemento motivacional de grande importância para projetar uma carreira a longo prazo. Tal como em tantas outras profissões, a azáfama do dia a dia dos professores de música não deixa grande margem para a formação complementar. Também parece não haver incentivos das entidades empregadoras para que tal aconteça. Os conservatórios correm o risco de se tornar fábricas de músicos, com exclusivo enfoque nos prémios, no reconhecimento público e em números de desempenho. A função da escola é bastante mais abrangente do que isso. É preciso que os professores se sintam estimulados para novos desafios. O certo é que a experiência do projeto MUSICAR mostrou-nos ter sido extremamente gratificante para todos eles. A qualidade da participação dos professores das escolas da Metropolitana no projeto MUSICAR permitiu concluir que, tal como qualquer aluno pode ser bem sucedido no processo de aprendizagem musical, também qualquer professor de música, desde que tenha vontade e motivação, é capaz de ensinar um aluno com comprometimentos funcionais.

Nesta área, e relativamente aos paradigmas que predominam nas escolas de música, será necessário reorientar critérios de execução consagrados em desempenhos técnicos e artísticos de excepção. Só assim será possível compreender o aluno em todas as suas dimensões enquanto indivíduo, valorizar outros aspetos que evidenciam a importância que a música tem para o desenvolvimento de cada um e assim obter ensinamentos transponíveis para qualquer aluno de qualquer escola de música.

Há várias capacidades que já estão instaladas, tais como as aulas de ensino individuais. Não deixa por isso de haver a convivência com os pares, nas aulas de conjunto. Por outro lado, a formação clássica sabe bem a importância da transmissão de conhecimento por intermédio de uma convivência regular e focada, numa relação de confiança entre professores e alunos, entre colegas e professores, entre colegas e alunos. Apesar de todos os manuais de ensino da música existentes, nada substitui a transmissão da experiência através do contacto pessoal.

Projetos como o MUSICAR podem representar a oportunidade há tanto tempo anunciada para pensar o ensino de uma maneira diferente, menos moldado em desempenhos idealizados, mais focado na singularidade e na harmonia de cada pessoa com enfoque inicial nas dimensões lúdica e criativa. Pela sua própria natureza, o processo de ensino de um instrumento é sempre uma busca exploratória de metodologias adaptadas às dificuldades e às potencialidades de cada aluno. É preciso sempre reinventar e moldar metodologias de ensino que permitam tornar a aprendizagem mais acessível, sem para tal abdicar de uma cultura de rigor, da disciplina e de excelência. Em todo o caso, não tem de haver lugar à condescendência. É imperativo evitar qualquer forma de capacitismo, ou seja, a redução de um indivíduo às suas capacidades de fazer. Atribui-se hoje à música um papel funcional muito restrito, eminentemente espelhada na figura do artista virtuoso ou romântico, como se tivesse de preencher determinados predicados para satisfazer expectativas. A música é muito mais do que isso. É uma atividade que proporciona a descoberta, o conhecimento do Eu, do Outro e do Mundo que nos rodeia. Os alunos surdos e cegos convidam-nos a pensar a música de maneira diferente. Temos muito a aprender com eles sobre a natureza da música, já que nos colocam diante de condições limite. O fascínio que manifestam pela música leva-nos a buscar uma compreensão que vai além da dimensão estética ou técnica.

A aprendizagem de um instrumento musical é uma maneira de o indivíduo trabalhar a sua auto-estima e sentir-se realizado, ao conseguir ultrapassar dificuldades, com esforço e dedicação. A memória auditiva, o controle rítmico, o foco de atenção numa escuta exclusiva, são competências que beneficiam qualquer indivíduo. Os alunos cegos ou surdos têm competências específicas muito desenvolvidas, comparativamente com os alunos normovisuais ou ouvintes. Essas diferenças devem ser colocadas ao serviço da aprendizagem.

Em particular, a prática musical de conjunto proporciona um contexto de convivência seguro capaz de estimular o desenvolvimento das competências sociais e da expressão afetiva. Oferece assim vantagens psicomotoras e relacionais, desenvolve a resiliência, a imaginação e a criatividade. A música em grupo e a apresentação de audições públicas favorece a regulação e controle de tensões e estados de ansiedade, fomenta a integração e estimula a participação ativa em contextos de convivência social.

A experiência do projeto MUSICAR, designadamente as sessões de percussão tidas com regularidade semanal reunindo dezenas de alunos surdos no próprio contexto da escola que frequentam diariamente, assim como a dinâmica gerada em torno dos professores e das famílias, foi particularmente reveladora da grande importância que têm estas atividades a longo prazo. O mesmo aconteceu com o coro de pessoas cegas ou com baixa visão. Em ambos os casos, a oportunidade de conduzir todo o trabalho para um Concerto Final com uma orquestra profissional para interpretar repertório desafiante diante de uma sala cheia, foi corolário de uma ideia pioneira que indicia boas práticas a recuperar na programação de futuras temporadas da Metropolitana.