O Concerto para Flauta KV 313 foi encomendado por um abastado flautista amador. Apesar disso, e do facto de naquela época a flauta não dispor dos recursos mecânicos que lhe conhecemos hoje, resultou uma obra com grande exuberância técnica e expressiva. À jovialidade do primeiro andamento juntam-se a profundidade lírica de um Adagio e a distinta elegância dos minuetos mozartianos.
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Em setembro de 1777 W. A. Mozart iniciou mais uma viagem, dessa vez em busca de uma melhor oportunidade profissional. Passou primeiro por Munique, mas sem grande sucesso. Ainda assim, o contacto com o dinamismo musical da cidade despertou em si a ideia de que seria possível um músico talentoso viver do seu trabalho com independência, liberto da sujeição hierárquica de um só patrono. Seguiu então para Augsburgo e, pouco tempo mais tarde, para um centro musical muito importante, Mannheim. Encontrou aí a melhor orquestra da época. A orquestra da corte de Mannheim tinha sido fundada por Johann Stamitz e distinguia-se por uma disciplina exigente, o que se refletia em detalhes como a precisão rítmica e a interpretação cuidada das dinâmicas de intensidade. Para isso, os seus músicos eram rigorosamente selecionados, em função das competências que permitiam implementar as mais modernas técnicas da escrita orquestral. Mozart não compôs para esta orquestra, mas foi certamente influenciado pelo entusiasmo artístico que existia em volta. Teve a oportunidade de conhecer bons músicos e várias personalidades. Era o caso de Johann Baptist Wendling, o flautista da orquestra da corte que lhe apresentou Ferdinand Dejean.
Ferdinand Dejean era um médico que contava então 46 anos de idade. Tinha servido enquanto cirurgião na Companhia Holandesa das Índias Orientais na década anterior e, após ter regressado à Europa, passou grande parte da vida a viajar. Para lá disso, era um melómano inveterado. Tocava, inclusivamente, flauta. Encomendou, por isso, três concertos para flauta e vários quartetos com flauta a Mozart, muito embora só o Concerto KV 313 e os Quartetos KV 285 e KV 285a lhe tenham sido entregues (existe um segundo concerto para flauta, o KV 314, mas que resultou da transcrição de um concerto para oboé pré-existente).
Como se espera de um concerto clássico, a partitura do KV 313 divide-se em três andamentos, com uma disposição exuberante em várias passagens do primeiro andamento e nos momentos de maior exaltação do último. Distingue-se, sobretudo, por conseguir equilibrar magistralmente a fluência orquestral com o virtuosismo instrumental. Em busca de reflexos biográficos, permite adivinhar a euforia criativa e o entusiasmo de um jovem de 22 anos fascinado por um ambiente bastante diferente da pacata realidade de Salzburgo, pressentindo uma vida plena de oportunidades e conquistas. Também sabemos que estaria apaixonado por Aloysia Weber, uma jovem soprano de 16 anos que era irmã da mulher com quem veio a casar anos mais tarde, Constanze.
Rui Campos Leitão