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Giochi di Uccelli

«Giochi di Uccelli» traduz-se como «Jogos de Pássaros» e é título do Concerto para Flauta e Orquestra de Sérgio Azevedo que a Orquestra Metropolitana de Lisboa, o maestro Pedro Neves e o flautista Nuno Inácio estrearam em maio de 2017. A primeira sugestão aponta de imediato a expectativa de reconhecermos na entoação da flauta o característico canto das aves. Isso acontece, nalguns instantes. Porém, como o compositor explica no texto de apresentação da obra, é sobretudo pretexto para diferentes voos criativos. Destaca ainda duas dedicatórias nesta sua partitura: Nuno Inácio, 1.º Flautista da OML, e Carlos de Pontes Leça, o programador musical e musicólogo falecido em 2016.

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Texto de apresentação da obra «Giochi di Uccelli» assinado pelo compositor Sérgio Azevedo

«Giochi di Uccelli» – Concerto para Flauta e Orquestra foi escrito em 2016. Intitulado, em italiano, «Jogos de Pássaros», os andamentos oferecem uma alternância rápido-lento e os dois andamentos lentos são estruturados de forma obsessiva: «Ciaccona Notturna» e «Passacaglia – mesto». Estas formas permitem uma grande concentração expressiva, uma vez que o material de base é constantemente reiterado no discurso, como que se de uma grande árvore se tratasse (o tema de base), uma árvore que é rodeada por pássaros que esvoaçam à sua volta (as volúveis figurações que rodeiam o tema). 

Esta descrição traz-me naturalmente a referir o porquê do título e as implicações que o mesmo tem na música. A ideia da flauta como tradutora, pela agilidade e sonoridade aguda, dos pássaros, é antiga, mas nesta obra, não quis imitar deliberadamente o canto dos pássaros (excepto na cadência da orquestra no início do 5.º andamento). Quis antes criar algumas metáforas musicais, como a da árvore antes referida. O movimento de conjunto de bandos de pássaros e da sua «dança» aérea coordenada também me deu algumas ideias, mas, repito, todas elas se traduziram quase sempre em estruturas musicais abstractas e não em imitações deliberadas desses fenómenos. 

A cadência orquestral, com que se inicia o 5.º andamento é, por isso, um momento excepcional. Aí, cada instrumento de sopro das madeiras, e algumas cordas solistas, se transformam em diferentes pássaros, criando uma textura quase improvisada que precede a cadência para a flauta solo. O sermão de São Francisco aos pássaros veio-me imediatamente à memória, ao criar essa secção. Também o cântico dos pássaros, reagindo ao início do dia numa grande árvore à frente da minha casa contribuiu para essa atmosfera quase mística, e pela mesma razão cito no início dessa secção os pássaros do início de «Lever du Jour», do bailado «Daphnis et Chloé» de Ravel. 

Dedico esta obra ao Nuno Inácio e também à memória de Carlos de Pontes Leça, cuja morte nos surpreendeu a todos estava o concerto ainda numa fase inicial. Foi, aliás, depois de saber essa triste notícia, que resolvi alterar o plano inicial da obra e escrever uma secção dedicada a São Francisco, certo de que o Carlos a teria apreciado. Lamento que já não a vá poder ouvir, pelo menos nesta terra.