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Sinfonia Heroica

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Na primeira publicação da Terceira Sinfonia de Beethoven lê-se a inscrição «Sinfonia Eroica composta per festeggiare il sovvenire di un grand Uomo» («Uma sinfonia heroica composta para celebrar a memória de um grande homem»). Era intenção inicial do compositor dedicar a obra a Napoleão Bonaparte, mas acabou por não o fazer. Ainda assim, trata-se de um verdadeiro manifesto sinfónico, uma obra à medida da ambição de Beethoven. Em matéria de música, representa um momento de viragem do Classicismo para o Romantismo.

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A respeito da Sinfonia Heroica, é comum questionarmo-nos se ela esconde alguma narrativa. Ainda que tal aconteça, nunca será algo semelhante à Sinfonia Pastoral, de que se conhecem referências literárias explícitas para cada um dos andamentos. A Terceira Sinfonia de Beethoven não corresponde a um encadeamento linear de ilustrações. Expressa, acima de tudo, emoções, estados de espírito. Não se baseia, portanto, na biografia do imperador. Evoca, porém, a conceção idealizada de um grande líder republicano e reformista numa época em que se questionava na Alemanha as monarquias conservadoras. Assim, dispõe-se numa série de estados de espírito contrastantes, sem sacrifício da unidade e da consistência discursiva.

Os dois andamentos iniciais não levantam dificuldades à associação de um herói idealizado. Fechando os olhos, o primeiro permite identificar as ideias de força, nobreza, mistério e esperança. O segundo andamento propicia uma escuta fantasiosa, próxima de enredos cinematográficos imersos na comoção da morte. Traduz uma ambiência trágica em tom de homenagem a um grande homem desaparecido, à sua glória. É uma procissão lenta, profundamente sentida.

Já do terceiro andamento, não se pode dizer o mesmo. Apresenta uma escrita repleta de contrastes, uma ambiência desperta, jovial. Trata-se de um Scherzo, o formato musical que, também em ritmo ternário, veio substituir a cadência dançável do «velho» Minueto. Deste modo, confere uma dimensão humana à figura do herói, remetendo para aspetos mais prosaicos da sua existência. O último andamento conduz-nos, passo a passo, por uma sequência de variações instrumentais até uma conclusão triunfante; a apoteose do herói.

A Heroica não conta uma história. Traduz um caráter idealizado. É um imenso retrato musical.

 

Rui Campos Leitão