Há quatro anos na Orquestra Metropolitana de Lisboa, Catarina Gonçalves não esconde o orgulho e a felicidade de trabalhar lado a lado com alguns professores do seu tempo de estudante. O piano foi a sua primeira paixão, mas quando ouviu a professora tocar violoncelo, rendeu-se. Nos 30 anos da Metropolitana hoje conversamos com a jovem de Braga que ainda estranha quando lhe chamam… “senhora professora”.
Está na OML desde 2018. Como foi o caminho até cá chegar?
Eu comecei a estudar violoncelo com dez anos no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, em Braga. Fiz aí o meu percurso até ao oitavo grau. E foi a partir daí que integrei a Academia Nacional Superior de Orquestra. Foram tempos de muita aprendizagem.
E que balanço faz destes quatro anos na orquestra, mais o tempo em que estudou na ANSO?
Tem sido um balanço muito positivo, extremamente gratificante. Quando acabei a Licenciatura, houve ali um período em que estive fora, na Alemanha, mas foi depois quando voltei para Portugal que fiz a prova para entrar na Orquestra.
E entrou…
Felizmente consegui e está a ser muito bom, porque, para além de estar ali na casa onde cresci, digamos assim, estou entre colegas, amigos, alguns deles os professores do tempo em que estudava.
Deve ser uma sensação estranha, essa de agora tocar ao lado de antigos professores…
[risos] Sim, no início era um pouco estranho, mas agora são colegas e é natural que se estabeleça com eles uma relação que é mais do que a estritamente profissional.
E continua a aprender com eles…
Sim, claro, e isso é muito estimulante para alguém da minha geração. No fundo, todos os dias eu partilho da visão desses profissionais que já estão há tantos anos a trabalhar em orquestra e no ensino. Tenho agora o privilégio de os ter como colegas e conseguir aprender com eles, agora mais diretamente e mais pessoalmente.
E aprender em várias dimensões, porque não é só na dimensão orquestral…
Exatamente, temos a oportunidade de fazer Música de Câmara, que é sempre uma forma diferente, mais intimista, de viver a música. É realmente uma mais-valia.
Mas isso não é só aprender, é também ensinar e partilhar aquilo que sabe, porque já está no outro lado da “barricada”, como professora. Como é esse processo? Não pensa que está tudo a acontecer muito depressa?
[gargalhada] Bem, não é nada fácil. Lá está, uma pessoa vai ganhando experiência, os anos passam, mas é uma adaptação difícil, admito.
Ainda estranha quando a chamam professora?
[risos] Um bocadinho, um bocadinho. Neste momento não estou a dar aulas, estou mesmo só na orquestra, mas realmente já dei noutros anos, quando voltei para a Metropolitana. Cheguei a dar aulas no Conservatório e, realmente, tenho de confessar que entrar no edifício onde estudei e de repente ouvir “olá, professora”, é uma sensação muito estranha. Mas faz parte de todo o crescimento.
Muito bem. Vamos recuar um pouco às suas origens em Braga. Como foi a sua paixão pela música? Foi imediata?
Na minha família sempre me incutiram o gosto pela música, apesar de não ter pais músicos. O meu pai gosta muito de música, é amador, e sempre me incutiu esse gosto pela música.
A música clássica ou de outro tipo?
Não, era outra música. Mais guitarra ou cantar em coros [risos]. Sempre cresci rodeada de música e, portanto, foi relativamente natural. Os meus pais inscreveram-me no Conservatório, na altura, e foi um percurso natural evolutivo.
Portanto, já sabia ao que ia.
Ah, sim, isso sim. Já tinha tido algumas aulas, portanto tinha noções musicais. Além disso, também tinha tido umas aulas de piano. Aliás, quando me inscrevi no Conservatório, eu queria piano…
E porque não seguiu?
Porque já não havia vagas para piano. E acabei por escolher o violoncelo.
Portanto, o piano foi a primeira paixão…
Sim, o piano foi a minha escolha inicial. A primeira paixão, mas depois apaixonei-me pelo violoncelo.
Não é bem a mesma coisa, nem na técnica nem na sonoridade.
É verdade, mas eu digo sempre que é bom ter tocado piano porque assim tenho uma noção mais harmónica de tudo e do processo musical. Aliás, acho que é bom as crianças poderem tocar vários instrumentos no Conservatório, até para poderem escolher o instrumento que querem ou que mais se adequa a si.
A sua vida acabaria por ligá-la ao violoncelo. Lembra-se da primeira vez que tocou o instrumento?
[pausa] Sinceramente, não me lembro em que momento foi a primeira vez que toquei violoncelo, mas lembro-me da primeira vez que a minha professora tocou para mim. E recordo-me perfeitamente da sala e que fiquei fascinada pelo som do violoncelo.
Portanto, foi uma professora marcante na sua formação. Como se chama?
Raquel Alves.
Ainda mantém relação com ela?
Sim, sim. Ela foi minha madrinha de casamento e tudo [risos]. Tenho uma grande admiração por ela e continua a ser uma grande influência para mim. E muito para além do violoncelo. Neste momento, é uma influência mais pessoal, ao nível das relações humanas.
A Metropolitana está a comemorar 30 anos. É a sua idade, o que não deixa de ser uma coincidência engraçada. Como é que olha para este aniversário?
Olho com muito otimismo. Todos sabemos as dificuldades que a Metropolitana tem passado, mas apesar de tudo isso, é uma instituição que se renova, que se reinventa a cada momento. É um prazer para mim estar a viver estes anos tão importantes. E espero continuar a fazer parte deste crescimento da instituição.
Passaram 20 anos desde que entrou no Conservatório, lá em Braga. O que é sobra desse menina?
[gargalhada] O que é que sobra? Bem, não sobra nada, mas ainda falta tanto. Tenho tanto para a aprender.
A nossa pergunta ia noutro sentido e, portanto, reformulamos: o que é que há hoje na Catarina dos 30 anos que já havia, então, na menina com dez?
[pausa] Essa pergunta é profunda [gargalhada]. Sei lá, talvez a ingenuidade, por vezes, a capacidade de sonhar, de crescer. Há a ambição de me valorizar mais.
Se gostou de conhecer Catarina Gonçalves, pode ler também a entrevista a Diana Tzonkova, a instrumentista mais antiga da Orquestra Metropolitana de Lisboa.