Nasceu na Bulgária mas estava na Suíça a estudar quando, em 1992, recebeu a notícia que tinha sido aprovada nas audições para a nova orquestra que ia nascer em Portugal. Fez as malas e veio, sem fazer planos. Apenas pelo sonho. E por cá ficou. Trinta anos depois, a violinista Diana Tzonkova é hoje a instrumentista mais antiga da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Fomos conversar com ela sobre este percurso e sobre os tempos em que sonhou ser bailarina…
Está em Portugal desde 1992. É caso para dizer que já faz parte da mobília da casa…
[risos] Sim, sim. Cheguei mesmo para fundação da Orquestra Metropolitana de Lisboa.
Mas veio de propósito?
Vim, vim. É uma história interessante e que diz bem da ambição deste projeto. Na altura, o criador da OML, o Miguel Graça Moura, tinha grande ambição. Então, as audições que ela organizou para construir a Orquestra foram feitas um bocadinho por toda a Europa. Eu fiz uma audição, como uma série de outra gente, e quando fui selecionada, contactaram-me e perguntaram se eu queria vir.
E a Diana disse que sim…
Sim, disse que sim.
Onde é que estava em 1992?
Estava na Suíça, a estudar. Estava a fazer a minha segunda masterclass. E não lhe escondo que fiquei muito feliz pelo convite, porque o projeto era muito aliciante. Previa concertos, recitais de música de câmara e também a parte pedagógica. Tudo isso estava incluído no contrato.
O que é que estudou na Suíça?
Precisamente, Pedagogia e Música de Câmara, portanto é natural que o convite me tenha interessado. Era mesmo o que eu gostava de fazer.
E 30 anos depois por cá continua. A Orquestra Metropolitana de Lisboa é a sua segunda casa.
É verdade. No início, nenhum de nós sabia como é que o projeto ia evoluir. Ninguém tinha ideia. Nem nunca me passou pela cabeça que ficaria cá 30 anos. Foi acontecendo. Sempre com problemas, claro, mas as coisas começaram a desenvolver-se e olhe, já cá vão 30 anos.
Em nenhum momento pensou nisso?
Não, de todo. Na altura não sabia de nada. Ninguém sabe o futuro. E eu também não sabia. Era uma oportunidade nova, um país novo…
Já conhecia Portugal, mesmo que só de turismo?
Não, não conhecia. Era tudo novo para mim. Sabia o que se dizia de Portugal. Na Suíça conhecia alguns portugueses, que sempre me falavam do seu país. Mas confesso que não tinha uma imagem muito profunda do que vinha encontrar. Eu só sabia o que me diziam: que era um país muito bonito.
Como é que foi a sua adaptação ao país?
Foi boa. Vinha com as expectativas altas e confesso que não fiquei desiludida. Portugal estava muito calminho. A vida cultural estava a renascer. Estamos a falar de 1992, quando estava fechada a antiga orquestra da ópera. Foi uma altura de grande expansão cultural, de uma aposta estrutural em Portugal. Foi uma boa época para um músico profissional vir para Portugal.
E fale-me um bocadinho da OML naquele tempo. Era uma orquestra mais pequena…
Sim, muito mais pequena. Só cordas e um bocadinho de sopros: dois oboés e duas trompas. Só isto. Éramos quase todos estrangeiros, que tinham sido recrutados fora. Vínhamos todos com grande ambição.
Bem sei que a música é uma linguagem universal. Mas como é que comunicavam entre vós?
Sempre em inglês. Nos ensaios e na comunicação entre todos, era sempre em inglês. Foi uma aventura. Lembro-me de termos feito muitos concertos no arranque. Eram concertos descentralizados, fora de Lisboa.
E 30 anos depois a Orquestra continua a ser descentralizada, sem uma sala sua para tocar, mas reforçando o seu lado itinerante.
Sim, e isso é um desafio constante. Mas a história da Metropolitana foi sempre uma história de desafios, de dificuldades, de fazer das fraquezas, força. A Orquestra Metropolitana de Lisboa cresceu muito, não só na parte artística, mas também nas escolas. Quando começámos o projeto pedagógico, não tínhamos qualquer reconhecimento oficial. Os primeiros alunos não eram muito jovens, eram pessoas que queriam aperfeiçoar as suas competências musicais.
Mas a orquestra continuou a crescer, apesar das dificuldades.
Sim, sim, passados uns anos chegaram mais músicos, adicionámos mais sopros, a percussão. Passou a ser o modelo mais próximo do que é hoje. Tipo sinfonieta. E aos poucos, com o avanço do processo pedagógico, começámos a formar as orquestras de alunos. Depois, o reconhecimento da ANSO acabou por ser o passo mais importante para a instituição. Porque começámos a formar músicos profissionais para a própria orquestra.
Sim, e o resultado está à vista…
Claro, a Orquestra Metropolitana tem hoje muitos quadros que foram formados na ANSO. Até chefes de naipes.
Até o próprio diretor artístico da Metropolitana, o maestro Pedro Neves, foi formado na Academia Nacional Superior de Orquestra.
Exatamente. É a prova evidente deste crescimento.
Mas a Metropolitana não foi a única a crescer nestes 30 anos. A Diana também cresceu…
[risos] É verdade, é verdade.
O que é mudou em si? Para lá de ter melhorado as suas competências profissionais e artísticas, o que é que mudou em si? O que é que Portugal lhe deu nestes 30 anos?
Entusiasmo. Eu estou sempre entusiasmada. Gosto muito do que faço e isso faz com que eu seja feliz em Portugal. Neste projeto, sobretudo nos primeiros anos, houve sempre muito espaço para a música de câmara e para os recitais. A responsabilidade de preparar isso é muito superior do que participar apenas como membro da orquestra. Isso fez-me crescer, fez-me estudar muito material.
E enquanto pessoa, não enquanto profissional, mas enquanto pessoa, quem é hoje a Diana?
Sou uma mulher diferente. Encontrei muitas pessoas diferentes, culturas e filosofias diferentes e isso é um privilégio. Portanto, eu também beneficiei disso, claro.
É hoje uma Diana diferente daquela que nasceu na Bulgária?
[risos] Ui, sim, sim, muito diferente. Passaram tantos anos.
Que memórias é que guarda desse tempo?
Muitas, muitas… [longa pausa]
Teve uma infância feliz?
Muito feliz. Sou a única da família que foi música. Os meus pais são engenheiros, de estradas e de pontes. Foram ambos das matemáticas. E eu tinha de me decidir entre a matemática e a música. E fiz a minha escolha, claro está.
Foi difícil fazer essa escolha
pela música numa família de gente das matemáticas?
Não, não foi. A minha escolha foi sempre respeitada pelos meus pais. Tive muita
sorte com isso. E não lamento esta escolha.
Como é que se deu esse despertar para a música, para a arte?
Vou contar-lhe uma coisa muito gira. O meu sonho era ser bailarina. Adorava. Era isso que eu queria ser. Só que depois os professores disseram-me que não tinha vocação para bailarina e que era melhor voltar atrás.
E mudou de arte?
Mudei de arte, sim. Tinha de ser. Na altura custou um bocadinho, mas como era muito nova – devia ter uns cinco ou seis anos, acabou por ser mais fácil. Ainda por cima, a minha mãe gostava muito de música e perguntou-me se eu não queria aprender música. E foi assim que encontrei a minha primeira professora, que era uma pessoa excecional.
Marcou-a muito?
Fiquei com ela até entrar na escola profissional. Foi alguém muito marcante na minha vida. Mesmo depois de ter entrado, ela continuou a ser uma amiga, uma mestra para mim.
Lembra-se do primeiro instrumento que tocou?
Foi violino. Um minúsculo violino que a minha mãe comprou, quando percebeu que o meu amor ao instrumento e a esta professora era verdadeiro. E eu adorei.
Sente que foi uma privilegiada por ter tido, logo nessa idade, o seu próprio violino? Não era seguramente algo fácil na altura…
Tem muita razão. Mas os meus pais queriam que os filhos fossem felizes e realizados e fizeram muitos sacrifícios para concretizar os nossos objetivos.
Falou no sacrifício dos seus pais, mas também é importante dizer que a música também exige dos seus jovens praticantes disponibilidade, esforço, capacidade de entrega.
Verdade. É uma mensagem muito importante que é preciso passar aos jovens estudantes de música e aos seus encarregados de educação. É fundamental querermos muito e lutar por esses objetivos, por esses sonhos. Eu aproveitei todas as oportunidades que me deram para ir a workshops, para concorrer a concursos, para ganhar prémios. Tudo isso contribuiu para o meu amadurecimento profissional.
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