A ligação entre o cinema e a música vem de longe. Basta, aliás, ouvir a banda sonora de um filme para, de repente, conseguirmos visualizar, quase cena por cena, a ação e os seus protagonistas. Além disso, há músicas que se colam a personagens para sempre. Uma espécie de segunda pele que dificilmente consegue ser despida.

Nino Rota foi um dos compositores-fétiche de Federico Fellini. O vínculo entre ambos é quase mítico e deu origem a verdadeiras obras-primas do cinema italiano e que a História imortalizou. “La Dolce Vita” (1960) é um deles, premiado com o Oscar de Melhor Figurino Preto e Branco. Mas também “8 ½”, um drama de 1963 que ganhou dois Oscares (Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Figurino), ou “Amarcord”, uma obra feita dez anos mais tarde e que venceria o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1975.
“As músicas de Rota presentes em 17 filmes do maestro do cinema italiano ganham força expressiva, tornando-se quase uma personagem dos filmes e ficando associadas a ela, mesmo quando esta não está presente na cena”, nota a diretora do Instituto Italiano de Cultura em Lisboa. Luisa Violo diz tratar-se de “uma sinergia perfeita e irrepetível, a ponto que o próprio Fellini admitiu ter-se deixado inspirar, algumas vezes, pelas melodias do amigo e, falando dele disse “que tinha uma imaginação geométrica, um dom musical, graças ao qual não necessitava de ver as imagens dos filmes”.
A parceria entre Fellini e Rota acabou por ser, algumas vezes, um verdadeiro acaso. “Tínhamos tocado piano o dia todo, mas não saiu nada de que tivéssemos gostado. Finalmente, na hora de ir embora, toquei uma melodia. O Frederico para e diz-me: “Está bem assim. Faremos todo o filme com ela”, contou Rota numa entrevista, a propósito da forma como nasceu a música mítica de “Amarcord”, uma das que será tocada este domingo no concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa, no Cinema São Jorge, no final de um ano que marca o centenário do nascimento do génio do cinema italiano.
Quase nove anos separam Nino Rota, nascido a 3 de dezembro de 1911 em Milão, e Federico Fellini, nascido a 20 de fevereiro de 1920 em Rimini. Rota tinha sido uma criança prodígio. Aliás, a sua primeira composição, “L’infanzia de San Giovanni Battista”, data de 1923. Tinha 11 anos. Não é, pois, de espantar que tenha despertado cedo a atenção dos principais realizadores de cinema. Colaborou com Soldati, Zampa, Monicelli, Lattuada, Bolognini, Zeffirelli, Visconti (em “O Leopardo”), Steno ou Coppola, entre outros.
Foi, contudo, com Federico Fellini que construiu uma união quase perfeita. De “Vitelloni” a “La Strada”, de “La Dolce Vita” a “Boccaccio’ 70”, de “8 ½” a “Giulietta degli spiriti”, de “Roma” a “Amarcord”, uma impressionante série de obras-primas, durante quase 30 anos, até à morte súbita do compositor em 1979.
“Mais do que companheiros artísticos, foram amigos. “Certamente que foram amigos e cúmplices, protagonistas de uma relação simbiótica e harmoniosa sem igual que começou em 1952 com “Lo Sceicco Bianco”, filme que assinala o início de um sodalício artístico, intelectual e humano”, reforça Luisa Violo.

Para Rui Campos Leitão, musicólogo da Metropolitana, “acima de tudo, Rota era um extraordinário melodista”. “E é precisamente isso o que se destaca nas suas colaborações cinematográficas. Sentado ao piano, improvisava com uma facilidade impressionante melodias capazes de acrescentar substância dramática às personagens e aos «plateaux». O segredo estaria na forte convicção de que a sua música transcendia aquele propósito. Afinal, Nino Rota não compunha música para cinema. Em vez disso, dialogava através da música com o cinema”, escreve Rui Campos Leitão, na sua rubrica Musicália (https://www.metropolitana.pt/musicalia/a-arte-invisivel-de-nino-rota/).
Rota foi o primeiro companheiro musical de Fellini, mas após a morte do maestro, o realizador haveria de recorrer a outros compositores de prestígio, casos de Luis Bacalov e Nicola Pioviani, por exemplo, que musicaram “La città delle donne” e “Intervista”.
“O cinema de Fellini, dividido entre sagrado e profano, drama e comédia, sonho e realidade, é único e imortal, dificilmente repetível. Numa só palavra pode definir-se o seu universo poético de “felliniano”, adjetivo que descreve um estilo, uma marca no imaginário coletivo e da cinematografia mundial capaz de nos levar para uma dimensão suspensa e paralela, mágica e onírica, criada pelo grande Maestro do cinema italiano”, conclui a diretora do Instituto Italiano de Cultura em Lisboa.
É uma viagem por essa magia criada por Nino Rota e Federico Fellini que a Orquestra Metropolitana de Lisboa proporciona este domingo às 11h00 no Cinema São Jorge, em Lisboa, num concerto da OML dirigido pelo maestro Rui Pinheiro, tendo ao piano o italiano Benedetto Lupo.