De uma sinfonia de Mozart espera-se sempre um discurso fluente e perfeitamente planeado. Assim acontece com a Sinfonia N.º 35 em Ré Maior. Foi completada em 1783, pouco tempo depois de o músico se instalar em Viena. Resultou de uma adaptação da partitura que dedicara meses antes à nobilitação do filho de Sigmund Haffner, um seu amigo de infância e uma das personalidades mais influentes de Salzburgo.
**
Naquele período de apogeu da dinastia dos Habsburgo, Mozart procurava afirmar-se como compositor na cidade de Viena, um meio musical extraordinariamente competitivo. Ocupava quase todo o tempo com a composição da ópera O Rapto do Serralho, reservando a energia restante para os preparativos do seu próprio casamento. Apesar da azáfama, não poderia recusar aquele novo pedido que lhe chegava de Salzburgo. Já antes, em 1776, tinha composto uma importante obra orquestral para a família Haffner, por ocasião do casamento da irmã de Sigmund, a Serenata Haffner (KV 250). Desta vez, tratava-se da atribuição de um título nobiliárquico a seu filho. A nova serenata não ficou pronta em tempo útil para participar nas cerimónias, mas foi enviada para Salzburgo em agosto de 1782.
Quando preparava a temporada de concertos do período da Quaresma do ano seguinte, Mozart decidiu recuperar o manuscrito para lhe dar a forma definitiva de Sinfonia. Para lá de eliminar a marcha que abria e encerrava a obra, juntou flautas e clarinetes nos primeiro e último andamentos, dos quatro que hoje conhecemos. Resultou assim uma composição híbrida que, de alguma forma, retrata exemplarmente esse importante momento de transição na biografia do compositor.
A obra caracteriza-se por uma aparente simplicidade. Todavia, atravessa ambiências tão diversas como a magnificência e jovialidade do primeiro andamento, a beleza bucólica do Andante, os ritmos de dança tão característicos da música tradicional austríaca que se escutam no Minueto e, por último, o próprio tema principal d’O Rapto do Serralho transfigurado numa velocidade vertiginosa. Era uma verdadeira demonstração de perícia da manipulação dos «materiais musicais» à qual ninguém ficou indiferente, inclusivamente o Imperador José II, que presenciou a estreia no Burgtheater a 23 de maio de 1783.
Rui Campos Leitão