O Homem pisou a superfície lunar há cinquenta anos, acrescentando assim valores palpáveis ao espaço extraterrestre. Mas o universo dos planetas, das estrelas, das galáxias e das proporções intangíveis permaneceu misterioso e continua a inspirar tanto a ciência como o espírito ou as artes. Desde a revolução coperniciana, em meados do século XVI, o conhecimento astrológico caíra em descrédito. Assistiu-se, porém, ao seu revivalismo em finais do século XIX. Já em 1914, Gustav Holst deixou-se fascinar por essa mundividência que associa os planetas do sistema solar a aspetos distintos da personalidade humana e dedicou a cada um deles um peça orquestral. Nasceu assim a suíte orquestral Os Planetas.
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Os Planetas é a composição mais conhecida de Gustav Holst. Foi composta entre 1914 e 1916 e reúne sete títulos que coincidem com os nomes dos planetas do sistema solar. Traduzia-se assim o fascínio do compositor inglês pela astrologia. Com efeito, nas últimas décadas do século XIX, várias correntes de pensamento místico apresentavam-se como alternativa ao darwinismo e ao empirismo da ciência. Foram então resgatadas teorias ancestrais centradas na dimensão divina da existência humana e em aspetos ocultos da natureza. Despertava também no pensamento ocidental um novo olhar sobre culturas não europeias – no caso da Inglaterra, sobretudo focadas na Índia.
Em Holst, este interesse pela astrologia era primeiramente motivado por uma necessidade de conhecimento próprio – os seus ideais sagrados estariam relacionados com o budismo. Mas também foi alimentado por ligações pessoais com figuras ligadas ao teosofismo e ao ocultismo. Foram esses contactos que lhe deram a conhecer o livro The Art of synthesis de Alan Leo, um dos pioneiros da astrologia moderna. Publicado em 1912, este livro dedica um capítulo a cada planeta, evocando as características do comportamento humano que lhe estão associadas. Foi, precisamente, esse o modelo adoptado por Holst, ao ponto de alguns dos títulos coincidirem na partitura, tal como a ordem correspondente das últimas quatro peças da suíte.
A obra musical assemelha-se assim a um livro ilustrado. Marte representa a masculinidade, a coragem e o impulso bélico. Através da música, «pinta-se» um imaginário guerreiro com recursos orquestrais que, entretanto, se tornaram arquétipos sonoros do cinema de ação. Em Vénus, contrapõe-se um universo feminino, imerso em tranquilidade, ternura e delicadeza. São paisagens bucólicas que respiram paz e veneração pela natureza. Segue-se Mercúrio, onde se exalta a vivacidade e a alegria de viver, com entusiasmo e prontidão. Em Júpiter, desponta um espírito afirmativo e solene sobre um discurso marcado pela esperança e pelo vislumbre de desfechos épicos. Chegados a Saturno, surge o momento de melancolia e de acentuado desalento. A melodia estende-se no tempo, reflexo de fadiga e resignação. Tal como Fénix, é das cinzas que floresce a fantasia aparatosa de Urano, com requintes orquestrais que nos mantêm suspensos numa narrativa imaginária. Por fim, o pano encerra sob a égide de Neptuno, pairando no mistério de um espaço que nos transcende incomensuravelmente. A sugestão de aventura na exploração do desconhecido remata num ponto de interrogação que aponta ao futuro da Humanidade. A voz humana, com a presença do coro, glorifica essa dimensão celestial.