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A Décima de Mahler

Poucos meses antes de fazer estrear com sucesso a Sinfonia N.º 8, em setembro de 1910, Gustav Mahler lançara-se no projeto da Décima Sinfonia, enquanto mantinha «na gaveta» a Sinfonia N.º 9 e o ciclo de canções «A Canção da Terra». Já na época havia quem acreditasse no maldito presságio daquele número, lembrando os casos de Beethoven, Schubert, Dvořák e Bruckner. Seja como for, é facto que o músico morreu no mês de maio seguinte, vítima de uma infeção cardíaca, aos cinquenta anos de idade. A partitura ficou incompleta. Só o primeiro andamento, um Adagio, se aproxima de uma pretensa «versão final».

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Nos últimos quatro anos de vida, Gustav Mahler enfrentou episódios de grande tristeza na sua vida pessoal. Entre eles, o maior aconteceu em 1907, quando perdeu a sua primeira filha, com cinco anos de idade. Já no verão de 1910, ficou a saber da relação extraconjugal de sua mulher, Alma Schindler, com Walter Gropius, o arquiteto que veio a fundar a escola Bauhaus alguns anos mais tarde. Em virtude da coincidência temporal da composição da Sinfonia N.º 10 com este último desgosto, é incontornável estabelecer-se uma relação. Tanto mais porque são bem conhecidas as inscrições que Mahler deixou em jeito de desabafo no manuscrito do terceiro dos cinco andamentos, curiosamente intitulado Purgatorio. Seria, porém, redutor entender esta partitura como mera expressão das convulsões emocionais do músico, ainda que algumas partes estejam obviamente relacionadas. Em verdade, a estrutura geral da partitura foi desenhada nas primeiras semanas do mês de julho, quando Alma ainda não havia chegado a Toblach, a localidade situada na região do Tirol que o casal frequentou nos últimos verões. Só algumas partes foram acrescentadas numa fase posterior. A mais conhecida é o clímax dissonante que se ouve ao fim de três quartas partes do primeiro andamento, o Adagio. A estridência desse acorde não passa despercebida.

Deste modo, a décima sinfonia foi trabalhada até uma fase bastante avançada. Mas permaneceu incompleta, tal como se encontrava no início de setembro de 1910, quando o compositor teve de se dedicar à preparação da estreia da Sinfonia N.º 8, em Munique, e à digressão aos E.U.A que se aproximava. O manuscrito reúne cerca de centena e meia de páginas com esboços da totalidade da obra, mas em partituras de três a cinco pautas, com exceção do primeiro andamento. Significa isto que já contém as ideias essenciais, mas na sua maior parte sem a orquestração, as intervenções detalhadas dos instrumentos em cada compasso. Nos anos que se seguiram à morte do músico, foi guardado por Alma. Revelado em 1922, os 1.º e 3.º andamentos foram pela primeira vez tocados em público na cidade de Praga, em 1924, numa versão reconstruída. Durante o período do Terceiro Reich, a música de Mahler foi banida da Alemanha e da Áustria, razão pela qual a sinfonia ficaria uma vez mais silenciada. No final da década de 1950, a partitura foi reconstituída pelo musicólogo inglês Deryck Cooke, e finalmente tocada na íntegra. Já em 1964, o musicólogo austríaco Erwin Ratz propôs uma nova edição crítica, mantendo-se mais fiel ao manuscrito. É essa a versão do Adagio que é mais frequentemente gravada e tocada ao vivo.

Contrastando com a exultação da Sinfonia N.º 8, o Adagio da Sinfonia N.º 10 desenrola-se num ambiente pesaroso e melancólico. Sugere, inclusivamente, vagas referências ao primeiro ato da ópera Tristão e Isolda de Richard Wagner. É certo que Mahler teria trabalhado a instrumentação de forma mais densa e imponente, conhecendo nós o cuidado que sempre investia nos pormenores da orquestração. Ainda assim, seria imperdoável ignorar um trabalho de tão extraordinário compositor, ainda que inacabado.

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