O nome de Gershwin lembra de imediato os musicais da Broadway, mas também a aproximação entre os géneros popular e erudito. A sua música flui com igual à-vontade na rádio, no cinema ou nos teatros, e a ópera Porgy and Bess é disso exemplo. Datada de 1935, dela conhecemos sobretudo a canção Summertime, nas vozes de Ella Fitzgerald, Louis Armstrong e tantos outros. Em cena, a música acompanha a representação de uma tragédia amorosa que retrata as comunidades negras do sul dos E.U.A. há um século. O próprio compositor a «resumiu» na suíte orquestral Catfish Row.
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Porgy and Bess é uma ópera em três atos de George Gershwin cujo libreto se baseia num livro publicado em 1925 por DuBose Heyward. O enredo decorre em Catfish Row – nome que resulta da adaptação criativa de Cabbage Row, edifício situado em Charleston, cidade portuária da Carolina do Sul. Nesse lugar, os escravos vendem peixe, muito embora na realidade vendessem legumes. Também as personagens são inspiradas em figuras reais. Porgy seria Sammy Smalls, um deficiente que andava a mendigar pelas ruas num carrinho puxado por uma cabra. Bess seria Maggie Barnes, de quem se diz ter morto três homens. Trata-se, portanto, de uma maneira de retratar a vida das comunidades afro-americanas naquela época. Não espanta, por tudo isto, que a música se identifique tanto com as sonoridades jazzísticas. Há quem lhe chame uma Ópera-Jazz.
Estreada dez anos mais tarde, em 1935, em Boston, resultou então num fracasso comercial. Só mais recentemente se tornou num verdadeiro ícone da música norte-americana, desde que na década de 1980 passou a fazer parte do repertório dos teatros líricos de todo o mundo. Por seu turno, a suíte foi preparada pelo próprio compositor, a fim de se apresentar em concertos ao longo do ano de 1936 – pouco tempo depois adoeceu com gravidade, vindo a morrer. Durante mais de duas décadas a partitura manteve-se esquecida, até que em 1958 foi recuperada por Ira Gershwin, irmão do compositor. Passou então a chamar-se Catfish Row, de maneira a distinguir-se de uma outra suíte da mesma ópera que havia sido orquestrada durante a Segunda Grande Guerra por Robert Russell Bennett, a qual também se tornou extremamente popular. Esta intitula-se Porgy and Bess: A Symphonic Picture e, ainda hoje, é mais frequentemente tocada.
A versão de Gerswhin respeita, porém, bastante mais a orquestração original, com exceção do último andamento. Nas cinco partes que a constituem, escutam-se alguns dos momentos musicalmente mais impactantes da ópera. Na primeira, «Catfish Row», reconhece-se o início do primeiro ato e a célebre melodia «Summertime». Já a segunda, «Porgy Sings», remete para o 2.º ato, onde se ouve «I Got Plenty o’ Nuttin’» e «Bess, You Is My Woman». Por sua vez, em «Fugue», perverte-se a ordem, já que a mesma música havia sido escutada no primeiro ato. O mesmo acontece com a parte que se segue, «Hurricane» (Furacão), que mistura música dos 2.º e 3.º atos. Por fim, «Good Morning, Sistuh!», onde sobressai «Oh Lawd, I’m On My Way».
Rui Campos Leitão