Este site utiliza cookies. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização de acordo com a nossa Política de cookies.

concordo

“Temos de ser ecléticos, mas também ter a coragem de dar ao público obras que ele não conhece”

Entrevista a Pedro Neves, novo Maestro Titular da OML e Diretor Artístico da Metropolitana

Sempre acreditou em si e agora, aos 45 anos, chega à cadeira de sonho. Licenciado pela ANSO e homem da casa, Pedro Neves é desde segunda-feira o novo Maestro Titular da OML e Diretor Artístico da Metropolitana. Define-se como um “agregador” e quer “potenciar” cada um dos músicos da Orquestra. Quer dar “continuidade ao bom trabalho feito”, mas já tem os olhos postos em 2022, ano do 30.º aniversário.

Esta foi a sua primeira semana oficial enquanto Diretor Artístico da Metropolitana, depois de um mês em que se foi inteirando dos dossiês. Como foi a passagem de testemunho com o seu antecessor, Pedro Amaral?

Muito natural, muito tranquila. Tenho estado, de forma muito ativa, a inteirar-me de assuntos que são transversais ao ano civil e a esta temporada que estamos a viver. O Maestro Pedro Amaral deixou a sua programação feita até junho e, portanto, eu continuo a fazer o meu trabalho de conhecimento dos muitos assuntos desta casa. Mas está a decorrer tudo de uma forma natural, como tem de acontecer nestes ciclos. É preciso sempre dar algum tempo a quem entra, para que possa perceber como a coisa se processa, mas é preciso também dar tempo a quem sai, para que possa fechar o ciclo.

O Pedro foi convidado pelo diretor executivo da Metropolitana, Miguel Honrado. Ficou surpreendido?

Sim, não estava à espera do convite, devo confessar. Mas quando ele apareceu, tive de pensar um pouco. Por várias razões. A primeira foi porque desde os meus 18 anos que eu acompanho a vida desta casa. A Metropolitana é quase como uma segunda casa para mim e, portanto, tenho este grau de proximidade. Tanto com o lado mais pedagógico, como pelo lado da orquestra, porque eu também já fui músico da OML. Conheço perfeitamente os músicos.

Essa proximidade levou-o a hesitar em aceitar o convite?

[pausa] Levou-me a pensar um pouco, sim. Essa proximidade pode ser boa, mas podia também ser prejudicial. Mas decidi aceitar e dar o meu contributo à Metropolitana. O primeiro contacto foi de alguma apreensão, não lhe posso mentir. Justamente por causa dessa familiaridade. Mas depois de pensar bem, concluí que essa proximidade até pode ser uma vantagem.

E aqui está o Pedro, num ano que, para lá da pandemia, foi de viragem de ciclo, a todos os níveis, na Metropolitana. Em fevereiro entrou o novo diretor executivo, Miguel Honrado, para ocupar o lugar deixado vago por António Mega Ferreira. Depois, a meio do ano, mudaram as direções pedagógicas. E a culminar 2020 a passagem de testemunho na direção artística. Estas mudanças de ciclo são virtuosas numa organização que em 2022 comemora os 30 anos?

Acho que sim. Uma casa como esta deve ter ciclos. É uma questão de renovação, de entrada de novas ideias e que ajudam a dar um empurrão na evolução. O que é fundamental é que os ciclos se sucedam da melhor forma uns aos outros. Que não seja uma mudança abrupta ou só por fazer. Tem de ser natural. No fundo, é dar continuação ao trabalho que vem de trás. Só assim é que podemos trabalhar em equipa.

A Metropolitana é um caso único no país. É uma orquestra profissional, mas é também um conjunto de três escolas e das suas orquestras. É criação artística mas é também pedagogia. O Pedro estudou na casa, licenciou-se aqui na Academia Nacional Superior de Orquestra e a sua escolha é também um sinal que se dá para dentro da casa, de que é preciso estudar e investir para tirar dividendos.

Sim, creio que é possível dizer isso. Em primeiro lugar, é um sinal de que acreditamos no projeto. Na realidade, a Metropolitana é um projeto único não só em Portugal, mas a nível mundial, por essa aliança entre o pedagógico e o profissional.

Acredita que o facto de esses dois pilares estarem fisicamente juntos é decisivo?

Absolutamente. Isso é um grande trunfo. Partilhamos ideias, construímos juntos o nosso crescimento. Essa partilha acaba por ser única e por aí que devemos continuar. Creio que a minha escolha para este lugar prende-se com o facto de ser uma pessoa que fez o seu ciclo de aprendizagem na casa e isso pode ser importante e motivador. Devemos acreditar mais em nós. Este nosso lado melancólico, nostálgico, muito português, de acreditarmos pouco em nós é algo que deve mudar. E creio que, aos poucos, está a mudar com as novas gerações, mas ainda há caminho pela frente. Aliás, a nossa ideia é que a próxima temporada possa concentrar-se nessa reflexão. No próximo ano a Metropolitana completa 30 anos e deve olhar em frente, para o futuro. Perceber como chegámos até aqui e o que queremos fazer daqui para a frente.

Proponho-lhe retomar essa viagem melancólica de que falava há pouco. O Pedro acreditou sempre em si e nos seus sonhos?

[pausa] Talvez. De uma forma um pouco inocente, mas talvez tenha acreditado. E continuo a acreditar. Tive um contexto especial que me apoiou, que me ensinou. Esse contexto onde estudei, com os professores que tive, ajudou-me muito. Eu fui dos tais que percebeu que com trabalho conseguimos chegar onde queremos.

É imperioso passar essa mensagem…

Absolutamente. Aos nossos jovens músicos, que são imensos e de grande qualidade. Temos de continuar a ajudá-los. A Metropolitana é o sítio ideal para isso. É um espaço de coragem e de trabalho.

Muito bem, mudemos de tema. O Pedro é reconhecidamente entre os seus pares e junto da crítica, um dos grandes valores da sua geração. O que pode trazer à Metropolitana e, em particular à OML, que nos últimos anos tem sido altamente elogiada pelo grande crescimento artístico?

Bem, em primeiro lugar, acho que é fundamental aproveitar bem e dar continuidade ao trabalho feito pelo Dr. Mega Ferreira e pelo Maestro Pedro Amaral, aos quais temos de agradecer por tudo o que fizeram pela organização. Depois, a nossa função é fazer que os músicos da Metropolitana individualmente e a Orquestra, enquanto equipa, possam crescer ainda mais. Tinha um professor que dizia que se fizermos um trabalho sério e árduo, mais cedo ou mais tarde vamos chegar aos objetivos que traçámos.

Sentiu esse espírito de equipa nos músicos da Orquestra?

Sem dúvida. A Metropolitana tem esse rótulo de ser como uma família, em que o espírito de equipa é uma peça fundamental na nossa engrenagem. Aliás, nesse tempo difícil que vivemos há quase um ano, esse espírito de equipa está a ser decisivo.

Um dos cavalos de batalha da Orquestra Metropolitana é a inexistência de uma casa própria onde os músicos possam ensaiar e atuar, em vez de andarem a saltar entre o Thalia, o CCB e outros espaços. É fundamental esse palco residente para o crescimento da Metropolitana?

Um dos objetivos da instituição, e uma das marcas distintivas do seu ADN, é precisamente poder descentralizar o ato musical. Nós vamos facilmente a outros auditórios e essa agilidade que temos é hoje uma vantagem que nós temos.

No fundo, uma fraqueza que se transformou em força…

Precisamente. Mas essa força é muito importante. Nós temos essa capacidade única de sermos uma espécie de orquestra itinerante sobretudo pela Área Metropolitana de Lisboa, mas não só. Essa capacidade é fundamental para nós. Define-nos enquanto projeto. Dito isto, é óbvio que seria muito importante termos uma casa onde a Orquestra pudesse ter a sua temporada solidificada. Uma casa própria permitir-nos-ia mostrarmos todas as nossas facetas artísticas, desde os concertos sinfónicos, aos concertos da OML, das escolas, da música de câmara. Acho que a Orquestra vive dessas duas realidades: por um lado, a descentralização de quem leva a música a outros locais onde não há orquestras; por outro, a necessidade de uma casa para centralizar toda a sua oferta. Esse é o nosso sonho. Espero que se possa concretizar a curto/médio prazo.

Gostava que essa fosse o presente de aniversário dos 30 anos, em 2022?

Adorava, adorava. Acho que todos nós adorávamos. Os momentos de crise são os melhores momentos para essas surpresas. E quando ouvimos falar de todos os apoios, inclusivamente europeus, que podem vir para o setor da cultura, para que se possa ultrapassar esta crise, fico a pensar que, provavelmente, este é o momento-chave para  impulsionar este projeto.

Disse há pouco que esta temporada ficou desenhada pelo Maestro Pedro Amaral. Portanto, só na próxima temporada teremos o seu dedo nas escolhas programáticas da OML. Que dedo será esse?

Vamos estar muito focados nos 30 anos da organização. A próxima temporada deve estar centrada nesse evento e dar ao nosso público uma retrospetiva do que fizemos até aqui. A nossa programação tem de refletir esse trabalho, mas sempre, como disse, com os olhos postos no futuro.

Vamos tentar ser mais concretos: durante os últimos anos, com Pedro Amaral, para lá dos clássicos, a Orquestra Metropolitana deu especial atenção a autores portugueses, por um lado, e a uma certa contemporaneidade das obras. É uma linha para seguir ou sente que o equilíbrio financeiro da instituição consegue-se mais com os compositores clássicos do agrado do público?

Vamos lá ver: o equilíbrio financeiro é imprescindível para o sucesso da Metropolitana. Fazemos concertos para as pessoas e queremos salas com público. Portanto, essa questão é essencial. Mas, por outro lado, tem de haver a coragem de dar ao público coisas que ele não conhece. Temos de tocar um repertório standard que as pessoas conhecem e querem ouvir, mas sermos capazes de lhes mostrar a música que é feita à nossa volta, que é feita hoje em Portugal. A missão da Metropolitana também tem de ser essa, a de dar a conhecer ao nosso público compositores portugueses de qualidade que, provavelmente, as pessoas nunca ouviram falar.

Portanto, teremos uma OML eclética…

Como não poderia deixar de ser. Podemos ter, em certos casos, um repertório especializado numa ou noutra época, mas a Orquestra Metropolitana de Lisboa deve procurar ter um repertório variado, das diferentes épocas da história da música, das diferentes nacionalidades de compositores, incluindo a portuguesa, claro. A música portuguesa deve ser entendida num contexto global. Já não faz sentido isolarmos a música portuguesa e dizermos “vamos fazer agora um programa de música portuguesa”. Quanto a mim, já passámos essa fase. Isto não é música portuguesa, isto é música global.

Deixe-me terminar com uma questão sobre si. Mas sobre si e os outros. Agora que assumiu as suas funções de Maestro Titular e de Diretor Artístico, como é a sua liderança numa equipa que junta várias pessoas, várias sensibilidades, várias idiossincrasias?

[sorriso] A minha forma de estar como músico e como maestro decorre da minha forma de ser enquanto pessoa. Eu sou um agregador. O Maestro e o líder tem de ser uma pessoa que agregue, que responsabilize, que coordene e que tome decisões em relação ao grupo, mas que, sobretudo, perceba que um coletivo tem de ter a sua identidade. E isso só resulta de um trabalho de compromisso entre todos, de um verdadeiro trabalho de equipa. A minha é uma liderança ativa, que procura somar e potenciar cada um dos membros que compõem o grupo. Todos somos importantes e se todos dermos o nosso máximo, se todos formos sérios e criativos, os resultados serão melhores.