Na Metropolitana respira-se música desde os cinco anos. É esta a idade mínima para uma criança se inscrever no Conservatório de Música da Metropolitana (CMM), uma das três escolas da AMEC | Metropolitana e onde há alunos com mais de 70 anos. Em entrevista, a nova diretora pedagógica do CMM, Sofia Cosme, fala dos benefícios da música na educação e no crescimento saudável das crianças, explica os cuidados tidos para a segurança de todos nestes tempos de pandemia, e revela a vontade de criar um ensino articulado com outras escolas do eixo Alcântara-Belém.

Os receios sobre o arranque do ano letivo eram muitos. Cá, como em todo o mundo. Mas, afinal, tudo está a processar-se dentro da normalidade.
Sim, é verdade, dentro do que é a normalidade neste contexto. Mas para que isso acontecesse foi preciso muito trabalho antes. É a primeira vez que estou neste tipo de funções, que exigem muito trabalho e uma cuidadosa gestão do puzzle dos horários de todos os professores e de todos os alunos. E é sempre muito difícil gerir as expectativas de toda a gente. Há sempre quem fique insatisfeito, é natural, faz parte da natureza humana. Este trabalho, que já de si tinha a sua complexidade, tornou-se mais difícil com a Covid 19 e as regras que foi necessário adotar. Regras que temos de explicar muito bem aos alunos e aos encarregados de educação.
Como foi a aceitação dos pais e restantes encarregados de educação?
Genericamente bem, mas há sempre pais que aceitam menos bem a imposição de algumas regras. Também aqui é natural. Algumas destas novas regras implicam uma alteração àquilo que era habitual nas dinâmicas das pessoas e, portanto, há sempre quem reaja mal.
Estamos a falar de alunos com idades muito díspares…
Sim, muito. O Conservatório de Música da Metropolitana tem alunos com idades desde os cinco anos até aos setenta e tal. Temos alunos de Curso Livre que já passaram os 70 anos, que nós prezamos muito. Alguns deles já estão cá há vários anos e são-nos muito fiéis.
Os últimos anos têm sido de algumas alterações no Conservatório, com mudanças na estrutura dos cursos, na duração das aulas, até nos preços. Por outro lado, há uma grande oferta de ensino musical aqui neste eixo Alcântara-Belém. A nível de inscrições, como está a ser este ano letivo?
No início, confesso, estávamos com algum receio, porque cerca de 20 alunos nossos do ano passado não renovaram matrícula. A maior parte justificou o facto com o medo da pandemia e de um possível confinamento. Houve outros que não deram qualquer justificação. Portanto, estávamos com algum receio porque havia poucas inscrições novas, mas felizmente em setembro as coisas equilibraram-se. Aliás, até porque alguns desses antigos alunos que não tinham renovado acabaram por renovar. E em setembro chegaram mais vinte e tal novos alunos. Estamos com cerca de 75 alunos, mantendo-nos em linha com os números do ano passado, o que é bom. Claro que gostaríamos de crescer, mas dadas as circunstâncias, estamos satisfeitos.
E esses números ainda podem crescer. É bom que isso fique claro: um pai ou uma mãe que estiverem a ler esta entrevista agora no início de outubro ainda podem inscrever o seu filho, certo?
Certo, ainda é possível. Nós no Conservatório funcionamos de forma idêntica à de outras escolas deste nível: aceitamos inscrições novas até ao final do ano, até final de dezembro. Por lei, os alunos podem transitar de ano se tiverem nota positiva a dois dos três períodos letivos. Portanto, desde que o aluno depois consiga recuperar nos dois períodos subsequentes, pode sempre transitar de ano. Obriga a um esforço suplementar, claro, mas é possível. A nossa publicidade atual diz 15 de outubro como data limite para a segunda fase de inscrições, mas foi uma data que decidimos internamente para que os alunos possam estar integrados na turma desde o início do ano letivo. Mas quem está a ler a nossa entrevista pode ficar descansado e ainda inscrever os filhos até ao final do ano.

O que é o Conservatório de Música da Metropolitana tem para oferecer a estes alunos?
Em primeiro lugar, música [risos]. Está provado cientificamente que a aprendizagem musical desde o nascimento ajuda o desenvolvimento físico e psicológicos das crianças. Quer na apreensão de algumas matérias, como a Matemática, quer na própria disciplina e concentração dos alunos. Para além disso, o nosso corpo docente está habituado há muitos anos a lidar com crianças muito pequenas. Os nossos professores têm uma forma de abordagem muito didática, inovadora e atrativa. As crianças aprendem música de uma forma divertida, com muitos jogos, o que é uma abordagem muito eficaz para a apreensão de conhecimentos. Nas aulas de instrumentos, também temos um espírito muito leve, mantendo obviamente a exigência adequada à idade do aluno. Dou-lhe um exemplo: apesar da base ser música clássica, não é só música clássica. Com os meus alunos, por exemplo, tocamos um pouco de jazz, procuro descobrir quais são as músicas de que eles gostam, ou dos filmes de que eles viram. Tentamos motivá-los muito dessa forma.
Ou seja, a música como sinónimo de prazer.
Absolutamente, é disso que se trata. E essa é a forma de cativar crianças com cinco, seis, sete anos. O tempo das obrigações não é esse ainda. À medida que os anos vão passando e o estudo intensificando-se, então sim, a exigência é outra e os métodos de ensino também. Nas idades mais jovens o que se pretende é que eles ganhem o amor pela música. Portanto, essa é uma grande vantagem que a Metropolitana pode oferecer. Outra, particularmente importante nesta fase, é que o Conservatório de Música da Metropolitana tem salas grandes, a maior parte delas com janelas enormes. Temos muito espaço e é possível manter os alunos todos em sala respeitando o distanciamento social a que a Direção-Geral da Saúde obriga. Temos aplicadas todas as medidas impostas pela DGS.
Essa foi, calculo, uma das principais dificuldades do planeamento do ano letivo…
[gargalhada] Sim, foram umas noites mal dormidas, foram… Cheguei a mandar emails às quatro e cinco da manhã. Eram horas a que eu estava acordada [risos]. Mas deixe-me só voltar um pouco atrás, porque há aqui um elemento que eu acho muito importante e que é uma marca distintiva desta casa. Os nossos alunos do Conservatório estudam numa casa de música, onde funcionam as outras escolas da Metropolitana: a Escola Profissional Metropolitana e a Academia Nacional de Superior de Orquestra, além de ser aqui que a própria Orquestra Metropolitana de Lisboa ensaia para os seus concertos. Portanto, há música a toda a hora neste edifício. Quando estão no corredor, os alunos estão a ouvir a OML a ensaiar. Isso é incrível. Os nossos pequenos alunos começam desde cedo a educar o ouvido com os músicos profissionais da Orquestra. Esse ambiente musical é ótimo e não existe noutras escolas.
O próprio projeto educativo da Metropolitana permite essa ligação. Um aluno que comece no Conservatório aos cinco anos pode seguir depois para a EPM e licenciar-se na ANSO aos 20 e poucos anos. E até vir a tocar profissionalmente na OML. Ou seja, há aqui um ciclo completo que pode ser feito enquanto projeto educativo. Isso torna a Metropolitana única.
É verdade. E em breve vamos ter Mestrados. Portanto, qualquer aluno pode fazer cá o seu percurso educativo completo. Temos cá alguns casos desses. É único no país.
No ensino do Conservatório, a escolha dos instrumentos é sempre uma das partes mais entusiasmante para os alunos. Qual a importância dessa dimensão prática e de que forma ela tem sido trabalhada no CMM?
É muito importante. Nós, músicos, temos muita essa preocupação do nosso instrumento. Nestas idades, a escolha do instrumento reveste-se de uma grande importância, porque eles sentem que estão a começar a construir o seu futuro. É claro que há crianças que trocam de instrumento a meio do processo. Nós não impomos nada. Estas idades são propícias a isso. Eles são muito jovens, por vezes não se adaptam ao instrumento escolhido, ou por vezes nem conhecem todos os instrumentos e depois, quando os descobrem, apaixonam-se por aquele som específico e querem mudar. É importante explicar uma coisa: há muitos pais que, quando não estão ligados à música, têm pouco conhecimento da variedade de instrumentos. E quase sempre escolhem piano. É quase tudo para piano ou violino, mas sobretudo para piano.
Mas há forma de os alunos experimentarem instrumentos antes de escolherem o que querem…
Sim, temos sempre hipóteses de fazer aulas experimentais. Portanto, se um aluno tem dúvidas quanto ao instrumento a escolher, pedimos a um professor para estar com uma criança durante 20 minutos a mostrar um instrumento, permitindo-lhe experimentar e conhecer aquelas sonoridades. Gostaria que as pessoas soubessem que no Conservatório temos disponíveis todos os instrumentos de orquestra. Há imensos instrumentos que são fantásticos para crianças pequeninas. Mesmo que possam parecer difíceis, como o contrabaixo ou o fagote, temos instrumentos para os tamanhos das crianças. Às vezes, os pais podem pensar que determinado instrumento ainda não é para a idade do seu filho, e isso não é verdade. Nada como se informarem connosco. É bom que as pessoas saibam disso e do benefício que é as crianças estarem cá e poderem tocar na Orquestra Juvenil ou na Picola Orquestra Metropolitana, que são as nossas orquestras no Conservatório. O resultado do que eles podem fazer em conjunto é surpreendente. E eles próprios ficam surpreendidos e muito motivados com o resultado.
Essa é uma das características fundamentais deste projeto da Metropolitana, que é a formação em contexto de trabalho: os alunos aprendem e podem aplicar os seus conhecimentos na prática.
Exatamente. Além de desenvolver componentes sociais das crianças e jovens. A maior parte dos amigos é feita nas aulas de orquestra. O trabalho em conjunto, em termos musicais, é fundamental para desenvolverem a afinação, a concentração, o espírito de entreajuda. Por isso é que o trabalho presencial é fundamental.
O trabalho presencial e articulado, até com outras escolas. Faz parte dos planos do Conservatório desenvolver essa articulação?
Sim, faz. É algo que queremos muito desenvolver, as parcerias com escolas aqui à volta, em Alcântara, Belém. Estamos a trabalhar para isso, oferecer uma educação complementar à que os jovens já têm nos estabelecimentos de ensino regular. Temos muitos alunos que vêm das suas escolas e têm ainda a nossa carga horária. Tudo junto é muito. São muitas áreas. Se tivéssemos este ensino articulado, a carga horária seria menor, teriam dispensas a algumas disciplinas. Esse é um dos nossos projetos e estamos a trabalhar nisso. É algo que abriria portas a novos alunos, facilitava a vida a alunos e a nós aqui, porque nos permitira dar aulas noutras escolas e noutros horários, combatendo assim a falta de espaço com que nos debatemos aqui nas nossas instalações.
Estamos a chegar ao fim desta entrevista, mas não posso deixar de lhe perguntar se ficou surpreendida com este convite para a direção do CMM?
Sim, fiquei muito surpreendida. Não estava nada à espera. Eu gostei muito de trabalhar com a minha diretora anterior [Susana Henriques]. É uma grande responsabilidade, mas ela deu-me o seu apoio e é o início de um novo ciclo. Na realidade, nunca me tinha passado pela cabeça.
Quem é um músico ou um criativo, e isso passa-se nesta atividade artística como em outras, assusta-se às vezes com a burocracia e com o lado administrativo destas funções. Foi assim consigo também?
Acho que é assim com toda a gente [risos]. Desde o dia 1 de setembro tem havido muita aprendizagem, muita descoberta. Genericamente, os músicos não são muito treinados para as burocracias. É algo que se devia mudar. O saber funcional, não necessariamente a ver com a nossa arte, é muito importante. Como trabalhar um excel, como se funciona com recibos verdes, quais são os direitos e deveres que temos, como são os contratos, como se faz a contagem do tempo de serviço… São coisas com as quais não nos preocupamos habitualmente e que, quando chegamos a estas funções, damos de caras com elas.
Portanto, está a ser enriquecedora esta experiência? Muito, isto permite-me pensar no outro lado. Quando o meu ciclo fechar, e voltar a ser apenas professora e música, vou lembrar-me de muitas coisas que aprendi aqui nestas funções. E coisas que me vão ser úteis para a minha vida.
