A promessa era de uma conversa breve, “meia dúzia de perguntas”, mas acabou por ser uma conversa de hora e meia. As razões são evidentes: num ano letivo marcado pela Covid 19, havia muito para conversar. Os receios, as mudanças, o futuro da ANSO. Mas a conversa terminou nas origens, numa viagem na máquina do tempo, à época da antiga União Soviética. Entrevista a Yan Mikirtumov, que desde o início do ano é o diretor pedagógico da Metropolitana.
Estamos na Época Especial de admissão para o novo ano letivo na ANSO. Como está a correr o processo?
O processo está a decorrer com toda a normalidade. Estamos à espera ainda de várias inscrições, tal como aconteceu na fase de Abril e Maio, em que obtivemos um número muito significativo de alunos. É verdade que o modelo pedagógico se alterou por causa da Covid 19, e que foi necessário introduzir a componente à distância, mas isso aconteceu em todo o mundo, não foi só cá.
A Internet e o modelo à distância acabaram por ter algumas virtualidades.
Sim, dentro de todo o quadro que conhecemos, sim. Por exemplo, ao nível de inscrições. O facto de o processo poder ser feito online simplificou a vida aos candidatos, sobretudo do ponto de vista logístico, atraindo alunos que, noutras circunstâncias, provavelmente nem sequer equacionariam a ANSO. Agora é mais fácil: cada candidato faz a sua inscrição, preenche o formulário e tem de submeter a gravação de vídeo da sua prova. Tudo online. Para nós complicou, não há dúvida, do ponto de vista informático e do tratamento da informação, mas para os alunos simplificou bastante.
Estamos nos últimos dias das candidaturas…
Oficialmente, sim. A Época Especial decorre até ao dia 8 (quarta-feira). Ou seja, neste dia encerram as inscrições para a admissão e os exames de admissão vão decorrer na semana de 20 a 24 de julho. Em todo o caso, se houver candidatos ainda a quererem inscrever-se até esta data, nós aceitamos.
Quais são as expectativas para as três licenciaturas ministradas pela ANSO: Instrumentista de Orquestra, Direção de Orquestra e Piano para Música de Câmara e Acompanhamento?
Em termos quantitativos, as expectativas são boas. O nosso objetivo é sempre preencher todas as nossas vagas, como acontece com todas as instituições de ensino superior. Mas sobretudo nos cursos de Direção de Orquestra e Piano para Música de Câmara e Acompanhamento, o número de alunos é sempre menor do que para o curso de Instrumentista de Orquestra. Esses cursos são os únicos no país. Enquanto licenciatura, não existem em mais nenhum estabelecimento do ensino superior. Só na ANSO.
Este foi um ano atípico para todos em todo o mundo por causa da Covid 19. De que forma é a que a ANSO e a AMEC | Metropolitana foram capazes de se adaptar em segurança a estes tempos de indefinição?
Eu acho que essa é uma questão transversal ao mundo inteiro e temos de ter isso bem presente. Toda a gente passou pelo mesmo, com maior ou menor dificuldade. Não foi uma escolha, foi uma obrigação. Mas é preciso fazer algumas distinções. Para o ensino da música isto não é trágico, mas é muito mais difícil. Fez-se, claro, e até correu bem em alguns aspetos, mas é muito mais difícil. O ensino de música é presencial. Nenhuma tecnologia até ao momento foi capaz de reproduzir com exatidão aquilo que se passa presencialmente no tempo real. Basta pensar que quando falamos num telemóvel há sempre um delay. Ora, como é que é possível ter vários músicos online a tocar ao mesmo tempo, quando não existe a tecnologia que suporta estas necessidades, além disso, os timings, a qualidade das redes de internet ou dos equipamentos de cada um é diferente de casa para casa?
É um problema de difícil solução…
É, não se resolveu, provavelmente não se vai resolver já, mas o 5G talvez consiga minorar em muito essa dificuldade. Talvez daqui a um ano, e com sorte.
E portanto…
E portanto, percebe-se como é difícil ensinar música assim. E só se consegue com a grande disponibilidade de professores e alunos e do amor à música. Repare: mais de 70% de um curso de música – pelo menos, o nosso é assim – tem essa necessidade de música em conjunto. E isso torna o processo de aprendizagem muito difícil. Por isso mesmo, a nossa preocupação na Metropolitana foi abrir as instalações o quanto antes, assim que as condições sanitárias e de segurança foram reunidas. Voltar às salas de aula significou para os alunos poderem voltar à prática habitual, embora com várias condicionantes. Porque uma coisa são aulas teóricas que, com maior ou menor dificuldade, foram sendo feitas sem grandes problemas. Claro que os alunos foram trabalhando e tocando em casa, e tiveram da parte dos professores uma grande disponibilidade para um acompanhamento individual, quase coaching online, mas bem sabemos como não é a mesma coisa. Nada dispensa o trabalho presencial, e sobretudo trabalho em conjunto.
Estamos numa fase da pandemia em que ninguém se atreve a prever como serão as coisas em outubro ou dezembro. Por isso, é de prever que algumas das virtualidades do sistema online, experimentadas obrigatoriamente este ano letivo, possam vir a ser repetidas no próximo ano letivo. Uma espécie de sistema misto…
Sim, é possível que isso aconteça com disciplinas que permitam isso, como por exemplo “História da Música”. Aliás, nós este ano tivemos uma disciplina nova, que naturalmente não estava prevista ser dada em sistema e-learning, que se chama “Estudos Musicológicos em Performance”, e que acabou por ser dada à distância e correu muitíssimo bem. E é provável que isso aconteça de novo no próximo ano letivo. Tudo o que tem a ver com escrita, o contacto, a pesquisa, o tirar dúvidas, pode ser feito à distância, mas toda a componente prática tem de ser presencial. Vamos ver como será. Temos de agir com muita prudência. E é isso que a temos vindo a fazer, eliminando quase todos os contactos físicos: montámos um sistema de marcação de salas online, criámos as inscrições à distância. Portanto, isto também obrigou a uma grande intervenção na própria organização da escola, bem como nos procedimentos administrativos praticados até agora.
Apesar do atual contexto pandémico ter mudado as coisas este ano, a taxa de empregabilidade de alunos que terminam os seus estudos na ANSO é muito elevada. Essa é uma boa garantia para todos aqueles que querem fazer da música a sua profissão e escolhem esta escola para os seus estudos?
Sim, claro. Todas as instituições têm o seu histórico, mas na ANSO valorizamos muito essa componente internacional. É um histórico muito positivo. Mesmo este ano, os nossos alunos vão poder continuar a prosseguir os seus estudos lá fora. Mesmo este ano temos vários alunos que já foram aceites em instituições internacionais, o que é um grande orgulho.
Portanto, mesmo com a pandemia…
Sim, mesmo com a pandemia. É claro que arrefeceu, há mais receios, mas mesmo assim temos alunos que foram admitidos em instituições internacionais. Mas este momento que estamos a viver é muito importante, muito difícil, até para a sobrevivência de muitos projetos. A empregabilidade é um assunto que me preocupa muito. E agora ainda mais: até que ponto muitas orquestras vão sobreviver à Covid 19? Isto é um problema mundial, não é um problema local. Infelizmente, acredito por aquilo que vou ouvindo e lendo, até grandes orquestras podem desaparecer do mapa até ao final do ano.
E de que forma é que a ANSO pode preparar os seus alunos para estas novas realidades?
É disso que estamos a tratar com grande serenidade e seriedade. E, num certo sentido, até lhe posso dizer que nós antecipámos um pouco a esta realidade, porque estamos a trabalhar naquela que é a missão da Academia. Aliás, no Manual de Qualidade, que foi desenvolvido pelo Adjunto da Direção professor Rui Mirra em conjunto com os membros da Direção e membros do Conselho Técnico Científico, publicámos no nosso site, já vamos nessa direção.
E que direção é essa?
A nossa visão para o futuro é pensarmos também num modelo alternativo de estudos, com formação suplementar àquela de excelência que já ministramos. A nossa missão é preparar músicos profissionais de excelência, claro. Mas também, e eu valorizo o sobretudo, criar cidadãos de excelência, mais bem preparados para tudo o que nos rodeia. E isso é muito mais importante. Queremos que os alunos que saem desta academia estejam preparados para ganhar concursos internacionais e serem admitidos em orquestras e instituições no estrangeiro. É um bom objetivo, mas estamos num tempo em que uma profissão já não garante tudo. Não é suficiente. Portanto, neste contexto, a nossa missão tem de ser formar para a excelência, mas não apenas para a formação artística de topo, mas igualmente promovendo a música como expressão artística fundamental para formação do ser humano e do cidadão.
E como é que isso se consubstancia na prática?
A minha opinião e dos meus colegas de Direção e do Conselho Técnico Científico, e é o que foi discutido e aprovado, é que a ANSO quer ser uma academia de formação de nível europeu, ancorada em princípios de multidisciplinariedade e transversalidade nas áreas de conhecimento e do saber, implementando para tal os meios tecnicamente mais desenvolvidos e adequados. Ou seja, tudo aquilo em que a escola progrediu nestes tempos de pandemia vai servir para melhorar também o próprio ensino dos nossos alunos. E permite trazer melhor conhecimento novo aos estudantes. Mesmo que eles no início até possam estranhar, mas vão ser obrigados a aprender agora.
Estamos a falar de quê?
Estamos a falar de conhecimentos práticos de cidadania, de ética no trabalho, de coisas práticas do dia a dia, conhecimento tecnológico e uso das mesmas, que são fundamentais para aprender e estas são as idades certas. Antes agora, aos 18, 20 anos, do que depois aos 40 quando forem obrigados a reciclarem-se. Muitos músicos nunca pensaram na vida em aprender a fazer uma apresentação de si próprios, enviar um email profissional, saber usar uma plataforma x ou y. Para um aluno do Técnico, isso é um conhecimento básico desde o nono ano, mas para nós músicos, é uma realidade diferente, é uma coisa sobre a qual nunca pensámos ou que nunca valorizámos. Na ANSO achamos que isso faz parte da nossa missão. Hoje todos os músicos desta casa já sabem o que é um PDF, por exemplo. Pode parecer estranho, mas muitos não sabiam. E não era por incapacidade, era porque não sentiam essa necessidade. O que esta pandemia colocou à vista é que todos precisamos de dominar novos conhecimentos a qualquer momento.
Um dos objetivos anunciados pelo seu antecessor no ano passado foi a de abrir em breve um segundo ciclo de estudos superiores, com dois mestrados, um de ensino da música e outro na área da performance. Como estão esses processos?
Os processos estão exatamente nesse ponto, em processo (riso). São dois processos autónomos, muito burocráticos, que têm as suas formalidades, têm os seus prazos para cumprir. Um dos processos, o Mestrado em Ensino da Música, está mais avançado e já não está do nosso lado, está do lado da A3ES, que é a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.
O Mestrado de Performance está ainda em estudo internamente. Com a pandemia da Covid19, tivemos de repensar tudo. Estamos a perspetivar uma pós-graduação em performance ou mestrado, mas só para o ano letivo 2021/22. Estes dois dossiers deram imenso trabalho ao meu antecessor, o professor Nuno Bettencout Mendes, a quem devo felicitar e agradecer pelo enorme trabalho, e de grande qualidade, que fez na direção da ANSO.
A abertura de um segundo ciclo de estudos musicais pode favorecer a crescente internacionalização da ANSO, quer na procura da nossa oferta pedagógica por alunos estrangeiros, quer na colocação dos nossos licenciados em orquestras estrangeiras?
Claro que sim. Este projeto na Metropolitana é único, porque reúne a componente criativa e pedagógica. Este trabalho é para desenvolver, é para melhorar. Portanto, a perspetiva de termos aqui cursos de 2.º ciclo é muito importante para esse desenvolvimento, até do ponto de vista da investigação na área da música. Aliás, posso dizer-lhe que estamos a estudar a possibilidade do estabelecimento de parcerias para a obtenção, por parte dos nossos professores, do grau de doutor. A qualificação do nosso corpo docente é muito importante para nós, é uma aposta forte que queremos continuar a levar a cabo.
O Yan assumiu as suas funções de diretor pedagógico a meio do ano letivo. Como foi a adaptação a esta nova realidade? Ficou surpreendido com o convite?
Sim, fiquei muito. O convite foi feito em dezembro, ainda pelo Dr. Mega Ferreira e para mim foi uma surpresa absoluta. Primeiro, nunca pensei assumir qualquer função a nível de direção. Não era o meu desejo, não era o meu entendimento, não sabia se quer se tinha condições. Porque nunca achei que tivesse perfil para estas responsabilidades. Um lugar destes obriga a imensos compromissos assumidos e uma disponibilidade diária e quase total. Lembro-me de ter perguntado na altura por que razão se tinha lembrado de mim. E o Dr. Mega Ferreira disse-me que não via mais ninguém com o perfil necessário. Fiquei quase sem palavras. Perguntei se tinha tempo para pensar (risos). E foi-me dito que não tinha muito, até porque ele estava de saída e naturalmente não queria deixar a instituição sem diretor pedagógico.
E lá ficou o Yan como diretor pedagógico interino até à chegada do Dr. Miguel Honrado, que o confirmou nas funções.
Sim, o mês de janeiro foi de organização interna e de gerir o dia a dia. Pensei simplesmente que era uma coisa para um ou dois meses. Chegaram-me logo às mãos os processos mais urgentes, mas sempre na expectativa que quando chegasse o novo diretor executivo tomaria uma nova decisão (risos).
E cá estamos nós sete meses depois de ter ficado sem palavras…
Sim, sete meses depois.
Aprendeu a gostar destas funções? O que mudou na sua forma de olhar para o cargo?
Aprendi a gostar deste novo desafio. Mas também aprendi a gostar de muita coisa na minha vida. Algumas fui obrigado a gostar. Não me canso de dizer isto, até aos meus alunos, e eles sabem que isto é verdade. Ser músico profissional é estar obrigado a gostar de toda a partitura que está à sua frente. Porque a tem de tocar. É tão simples quanto isto. Qualquer profissional de canalização tem de gostar de canos. É o seu trabalho. Portanto, isto também faz parte do meu trabalho e eu gosto do meu trabalho. Isto é um luxo. Nem todas as pessoas gostam do que fazem, eu gosto. E já que esta confiança foi depositada em mim, então que o faça de forma empenhada. E sim, reconheço que sete meses depois tenho mais sensação de que consigo fazer este trabalho. Em dezembro não tinha essa certeza.
O que é que o assustava mais: era a densidade dos assuntos ou ser obrigado a trocar o instrumento e as salas de aula pelo gabinete?
(pausa) Raramente estou neste gabinete. Normalmente, prefiro trabalhar nas salas de aula. Mas tinha alguns receios. Como já reparou, não sou propriamente português e apesar de estar cá há mais de 20 anos e de falar bem português, a língua que falamos entre nós não é propriamente a mesma que escrevemos. Portanto, tinha algum receio de ter dificuldades em escrever relatórios ou atas, coisa que eu nunca gostei de fazer e que nestas funções, já se sabe, tenho de fazer.
O seu antecessor, Nuno Bettencourt Mendes, é um académico. O Yan é um músico. De que forma é que a sua sensibilidade artística muda a visão pedagógica para uma instituição como esta?
E espero continuar a ser um músico (gargalhada). As pessoas são diferentes e eu e o Dr. Nuno somos diferentes. Eu acho que essa sensibilidade de que fala pode ser diferente mas não facilita, até pode complicar um pouco. Porque essa dualidade entre o artista que eu sou e o técnico que agora também sou é algo contraditória. Ou seja, as decisões que eu agora tenho de tomar até podem contrariar aquilo que eu, como músico, defenderia.
Portanto, até pode haver aqui um Yan Músico “contra” um Yan diretor?
(risos) Talvez não haja um duelo, mas sim, as minhas funções obrigam-me a tomar decisões com base no coletivo que, em certa medida, podem contrariar o indivíduo. Portanto o eu diretor muitas vezes pode entrar em conflito com o eu músico.
E isso é confortável?
(pausa) Não.
Mas é desafiante?
Sim, é. Não é confortável mas tem de ser assim. Tenho de pensar no que é melhor para a instituição.
Muito bem, quero conhecer um pouco mais de si. Está em Portugal há mais de 20 anos. O que é este país lhe deu?
Tudo.
…
(longa pausa) Nós chegámos a Portugal há mais de 20 anos por causa de um problema de saúde do meu filho mais velho. Foi-nos aconselhado que mudássemos de ares e tivemos a oportunidade de vir para cá. Eu não conhecia cá ninguém, nem sabíamos falar português. Portanto, quando digo que este país me deu tudo é mesmo tudo.
Pensou ficar cá tantos anos?
Nunca. Era uma necessidade da altura. Eu e a minha mulher tínhamos à volta de 24, 25 anos. E tínhamos um filho com cerca de dois anos. O mais novo já nasceu cá. O mais velho começou a crescer cá, melhorou, optámos por ir ficando mais um bocadinho, mais um bocadinho… e ainda cá estamos até agora.
Como foi a adaptação?
Foi tranquila. Rapidamente arranjei emprego e tive oportunidades que nem em Moscovo, onde nasci, eu teria. Sobretudo, desafios. E eu nunca tive medo de desafios. Portanto, quando digo que Portugal me deu tudo, é verdade. Na minha vida pessoal, melhorou a saúde dos meus filhos, deu-me um segundo filho, deu-me imensas oportunidades, amizades, pessoas e profissionais de excelência com quem continuo a trabalhar. É uma sociedade nem sempre tão aberta, mas muito acolhedora. E depois, em termos profissionais, foi uma surpresa. Este país deu-me muitas oportunidades. E eu sou um estrangeiro. Eu jamais pensei dirigir uma orquestra, por exemplo, em Angola. Já aconteceu. Ou fazer arranjos para a Orquestra Metropolitana de Lisboa, no âmbito dum projecto em Cabo Verde. Também já aconteceu. Ou tocar a solo, ou participar como cantor num concerto de Stabat Mater de Arvo Pärt, que curiosamente foi gravado pela Antena 2, criar o meu próprio coro e ensamble instrumental, gravar os CDs com eles, realizar digressões, tocar Hammond-orgão, realizar as reduções para piano, uma delas editada pela Ricordi, entre outros tantos projetos.
Voltou a Moscovo?
Não voltei, não. Não. Para quê? Tenho cá a minha vida toda. As oportunidades continuaram a surgir. Eu já dei aulas em cerca de 20 escolas neste país. Sempre adoro ser versátil, procurar novas aventuras, complementar a minha atividade.
Mas com esse desejo de aventura, vê-se a viver noutro país?
Não, não me vejo. Eu vou ficar eternamente grato a este país. Na minha juventude tive oportunidade de viajar imenso pelo Mundo, portanto, esse fascínio deixou de existir.
O Yan cresceu na antiga União Soviética, um bloco fechado, mas diz-me que teve oportunidade de viajar muito…
Sim, é verdade, mas eu cresci e estudei numa escola completamente especial, diria até única no Mundo, que tinha um projeto muito parecido com a Metropolitana. O alicerce era coro. Não orquestra, mas coro. E coro só de rapazes. Ensino interno, muito exigente, tratamento militar. Uma educação rígida.
Em casa também?
Não, em casa não. Mas a partir dos meus nove anos, eu raramente estava em casa. Quando entrei nesse colégio, isso foi decisivo na minha vida e na minha formação. E terminei a formação em 1991, um ano muito especial para o mundo.
A dissolução da União Soviética de Gorbachev.
Exatamente. Eu vivi isso de perto. E o meu olhar sobre o mundo foi conseguido nessa escola tão especial. Nós desde muito novos andávamos em digressão, primeiro por cidades da União Soviética e depois para o estrangeiro. Nunca me esqueço, nós fomos o primeiro coro a sair para um país capitalista. Foi em 1988, para Berlim.
Capital da antiga RDA, um ano antes da queda do Muro de Berlim…
Ora, exatamente. Portanto, eu vi a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. Vivi tudo intensamente.
Alguém que passa a adolescência, uma idade tão importante para a definição da personalidade, numa época tão conturbada do ponto de vista social e geopolítico como essa que o Yan viveu (queda do Muro de Berlim, Perestroika e dissolução da URSS) é alguém que ganha uma capacidade de resistência diferente.
Absolutamente. Mas sobretudo uma visão para a vida muito positiva e racional. Eu sou muito racional. No sentido de gerir o dia a dia, mas sempre a pensar no futuro. Não perdi a capacidade de sonhar. Mas sempre pronto para qualquer eventualidade, porque a qualquer momento tudo pode acontecer.
É isso que diz aos seus filhos todos os dias?
Sim, é isso mesmo. O mais velho já tem 22 anos e já está licenciado em Engenharia Aeroespacial. O mais novo tem 13 anos. E também já sabe o que quer da vida.
Natural de Moscovo (Rússia), iniciou a sua formação musical aos cinco anos de idade no Colégio Estatal de Coro A. Sveshnikov, em Moscovo, onde estudou durante onze anos e obteve o diploma na especialidade de Direção Coral com distinção. Em 1997 finalizou, também com distinção, o curso de Regência Coral na Academia Superior de Arte Coral em Moscovo com a tese «Género de Paixões na obra de H. Schütz». Entre 1997 e 1998 realizou a especialização em Composição no Conservatório Superior de P. I. Tchaikovsky, em Moscovo. É doutorado em Música e Musicologia pela Universidade de Évora (2013), tendo defendido a tese «Redução para Piano: Três especificidades» com distinção e louvor. Entre 1991 e 1999 participou em inúmeros concertos, festivais e gravações com diversos coros, agrupamentos de Música Antiga e orquestras na Alemanha, França, Suíça, Suécia, Itália, Polónia,