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Vivaldi versus Piazzolla

A aproximação das figuras de Antonio Vivaldi e de Astor Piazzolla parece um exercício intrigante. Poderia tratar-se de mera provocação ou despropósito. Poderia também resultar de uma proposta que, através da confrontação de opostos, pretendesse aguçar a contemplação estética do ouvinte. Mas há afinidades surpreendentes entre os dois compositores que atenuam diferenças tão marcantes como os dois séculos e meio que os separam ou a distância entre os continentes de onde provêm. Em qualquer dos casos, o diálogo entre as Quatro Estações, do primeiro, e as Quatro Estações Portenhas, do segundo, será sempre um bom pretexto musical.

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Vivaldi compôs as célebres Quatro Estações por volta de 1720. São quatro curtos concertos para violino e orquestra de cordas, independentes entre si, cada qual composto por três andamentos, conforme a prática corrente naquela época quando se tratava deste formato de composição com solista. Durante mais de duzentos anos as respetivas partituras permaneceram esquecidas, até que nos anos 1950 surgiram vários registos em vinil que lhes trouxeram uma difusão à escala mundial e devolveram ao compositor da cidade de Veneza o merecido reconhecimento generalizado. Poucos anos mais tarde, Piazzolla evocou-as de modo explícito nas Quatro Estações Portenhas. Foi a homenagem de um dos músicos mais originais do século XX a um extraordinário músico do século XVIII, um dos mais notáveis de todos os tempos.

Piazzolla tinha ascendentes familiares italianos oriundos das regiões da Apúlia e da Toscânia que imigraram na Argentina em finais do século XIX, ao encontro da prosperidade económica que aí se fazia sentir naquela época. Este é o primeiro laço afetivo que se destaca entre os dois compositores. O segundo, tendo em consideração que Vivaldi foi ordenado padre mas nunca chegou a exercer o sacerdócio, decorre da disposição luxuriante da sua música, a qual converge com a personalidade libertina que todos associamos à figura de Piazzolla, que também não era um menino de coro. Igualmente relevante, é a circunstância de ambos terem sido excecionais intérpretes virtuosos do seu instrumento e de darem grande importância à componente espetacular da apresentação ao vivo: Vivaldi no violino, Piazzolla no bandoneón. Terá sido o próprio Vivaldi quem tocou a parte de violino quando da estreia dos seus concertos, provavelmente à frente da orquestra privada de um aristocrata. Já Piazzolla, também ele tocou a parte principal da sua música, se bem que à frente do conjunto de músicos que normalmente o acompanhava. Ouve-se hoje em dia mais frequentemente em adaptações para acordeão ou violino – como solistas – e orquestra.

 

Rui Campos Leitão

 

Imagens:

Antonio Vivaldi cerca de 1725, pintura de François Morellon la Cave | Fonte: Wikimedia Commons

Astor Piazzolla em 1971 | Fonte: Wikimedia Commons