A admiração que Piotr Ilitch Tchaikovsky tinha pela música do passado, em particular do século XVIII, é notória em várias obras que nos deixou. São os casos de alguns excertos da ópera A Dama de Espadas ou da Suíte Mozartiana. Já anteriormente, em 1877, havia ensaiado exercício semelhante nas Variações sobre um Tema Rococó, uma composição para violoncelo e orquestra que se revelou pioneira do Neoclassicismo.
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O «tema rococó» inicial – a melodia que se ouve transformada em sucessivas variações – é da autoria do próprio compositor russo. Espelha, porém, a devoção que tinha pela música setecentista, em particular pela música de Mozart. «Rococó» é o termo que designa nas artes decorativas o estilo rebuscado, repleto de ornamentos e assimetrias que esteve muito em voga em meados do século XVIII, primeiro em Itália e França, depois disseminado por outros países. A sua aplicação às artes musicais nunca foi consensual. Em particular, no século XIX era bastante difusa, podendo referir-se à música do barroco tardio, mas também do período clássico. Remetia sobretudo para a «música antiga». No presente caso, não se pretendia, portanto, rigor histórico-estilístico, mas sim uma evocação fantasiosa do passado, de um mundo distante idealizado.
Composta em Moscovo, entre finais de 1876 e início de 1877, esta obra consiste num conjunto de variações sobre um tema. Foi pensada para Wilhelm Fitzenhagen, um violoncelista alemão que ocupava o lugar de Primeiro Violoncelo na Orquestra da Sociedade Musical da Rússia Imperial e que também era colega do compositor, enquanto professor no conservatório da cidade. Após a estreia, aquando da publicação da obra, Fitzenhagen introduziu alterações na partitura. Eliminou uma das oito variações originais, reordenou as restantes sete, suprimiu e reescreveu substancialmente algumas partes, de maneira a sobressair o desempenho do solista. Tchaikovsky consentiu. Com efeito, desde finais do século XVIII, o formato das variações sobre um tema era muito popular, em grande medida por ser um meio conveniente à exibição dos instrumentistas virtuosos. Confrontava-se assim a importância relativa entre as figuras do intérprete e do compositor. O instrumentista deixava de ser veículo de transmissão de algo previamente determinado – mero executante – para assumir uma função criativa determinante. Assumia-se como protagonista do evento, por vezes destacando-se mais do que os compositores e do que as próprias obras.
Rui Campos Leitão