A opinião de que a Quarta Sinfonia de Beethoven é uma obra de ânimo afável e dramaticamente comedido deve-se a comparações apressadas com a Terceira e Quinta sinfonias. Na realidade, trata-se de uma partitura com um alcance expressivo bastante mais ambicioso do que aparenta.
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Não é consensual a ideia de que tudo é jovialidade e exaltação poética, nesta sinfonia. Apesar do espírito ligeiro e animado dos dois temas principais do primeiro andamento, não há razão para ignorar o ambiente sombrio em que se instala a longa secção introdutória, tal como a imprevisibilidade dos contrastes dinâmicos da secção central, o Desenvolvimento. À semelhança de quase todos os andamentos lentos, o Adagio sugere interpretações dúbias. Permite imaginar o idílio amoroso, mas também a dramatização de um espírito obstinado em pausa meditativa. O Minueto, com o seu Trio, apresenta uma orquestração particularmente entretida, repleta de «diálogos» entre os diferentes naipes de instrumentos, mas não perde oportunidades para armar o conjunto em demonstrações de força inabalável. No mesmo sentido, a precipitação do último andamento insinua algo mais do que o simples júbilo. Há nele memórias de contendas e expetativas frustadas, culminando numa Coda que evita o êxtase, por entre hesitações cirurgicamente calculadas.
De ouvido atento, reconhecemos a mesma irreverência e criatividade que – crescentemente, ao longo da vida – distinguiram Beethoven. Sinal evidente de que esta sinfonia não resultou de um retrocesso estilístico, é a severidade das críticas manifestadas na época, logo que se deu a conhecer em público.
Rui Campos Leitão
Imagem: Manuscrito da Primeira Página do Adagio da Sinfonia N.º 4 de L. v. Beethoven | Fonte: IMSLP