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Um Divertimento Português

Em 1956, Fernando Lopes Graça juntou sete pequenas peças orquestrais num Divertimento. Três anos antes, o regime político proibira-o de exercer a atividade de professor. Já tinha sido preso em duas ocasiões na década de 1930, sempre por razões políticas. Ainda assim, e contra todas as expectativas, no primeiro dia do ano seguinte esta obra foi tocada em representação de Portugal na Feira Internacional de Lausana, na Suíça. O convite partiu do próprio arquiteto do pavilhão dedicado, Francisco Conceição Silva, que pretendia ali instalar uma «obra total».

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Na condição de convidado de honra desse ano, Portugal destacava-se com um pavilhão exclusivo na Feira de Lausana. Este era um evento de grande prestígio internacional no contexto do pós-guerra; uma verdadeira montra da indústria, da arte e da inovação. Naquele espaço, expunham-se ampliações fotográficas ilustrativas do empreendedorismo industrial e comercial da nação, painéis cerâmicos de Querubim Lapa, tapeçarias de Almada Negreiros, uma escultura em bronze de Jorge Vieira intitulada Músicos, artesanato diverso e vários eventos performativos. Tudo isto em alinhamento com a política do Fundo de Fomento de Exportação, organismo governamental que durante a década de 1950 procurou promover uma imagem moderna e positiva do país no estrangeiro, estabelecendo uma ruptura com as diretrizes estéticas do Secretariado Nacional de Informação liderado até 1949 por António Ferro.

Impedido de lecionar, Lopes Graça dedicava-se naquela época à produção da revista Gazeta Musical e do seu Dicionário de Música. Compôs também inúmeras peças para o coro da Academia de Amadores de Música e os Cinco velhos romances portugueses, entre outras obras explicitamente inspiradas na música tradicional portuguesa. Não por acaso, iniciava também por essa altura a colaboração com o etnógrafo Michel Giacometti, a qual resultou na publicação do Cancioneiro Popular Português, anos mais tarde. Simultaneamente, as novas sonoridades musicais que despontavam noutros países também influenciaram o seu percurso de maneira importante; vale a pena recordar que Lopes Graça viveu em Paris nos dois anos que precederam a Segunda Grande Guerra. Por tudo isto, as influências deste Divertimento remetem-nos para contextos múltiplos. São manifestas as afinidades com a música tradicional portuguesa, como é o caso do Fandango. Mas também com os Divertimentos setecentistas, reminiscentes de Mozart, ou mesmo com a música de Stravinsky ou Bartók.

O Divertimento está escrito para uma orquestra relativamente pequena. A instrumentação é composta por instrumentos de sopro, tímpanos, percussões, violoncelos e contrabaixos, o que lhe imprime uma sonoridade transparente, impetuosidade dinâmica e variedade tímbrica. No conjunto, percorre um ampla paleta expressiva, alternando momentos festivos com outros mais introspetivos. Os ritmos, muitas vezes alusivos a arquétipos da dança, são laboriosamente trabalhados. A tonalidade conflitua com intromissões dissonantes. Convergem assim as características mais marcantes do estilo inconfundível de Fernando Lopes-Graça.

Rui Campos Leitão

 

Imagem: Fernando Lopes Graça na sua casa da Parede, 1980, fotografia de Augusto Cabrita | Fundo FLG, MMP