Aos 29 anos de idade, Joseph Haydn teve a oportunidade da sua vida, quando foi convidado para trabalhar na corte do príncipe Paul Anton Esterházy. Competia-lhe, entre outras funções, compor toda a música instrumental do palácio e cuidar do bom desempenho da orquestra. A proposta era irrecusável, pois teria a seu encargo alguns dos melhores músicos que viviam em Viena. Entre as primeiras obras que escreveu, acha-se um tríptico sinfónico que demonstra simultaneamente o seu entusiasmo e os excecionais recursos que tinha à disposição – A Manhã, A Tarde e A Noite.
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Na segunda metade do século XVIII, a família Esterházy vivia alternadamente em três residências. Em Viena tinha um dos palácios mais nobres da cidade. Nos períodos de verão, mudava-se para Eisenstadt, 50 quilómetros a sudoeste de Viena. Havia também o palácio de Fertőd, hoje situado no noroeste da Hungria e que foi sendo habitado ainda no decurso da sua construção, concluída em 1784. O contrato assinado por Haydn em 1761 atribuía-lhe o cargo de assistente do Mestre de Capela Gregor Joseph Werner. O príncipe morreu logo no ano seguinte e seu irmão Nikolaus, que lhe sucedeu, ainda que igualmente aficionado de música, também era aficionado de caça. Consequentemente, preferia as estadias em Eisenstadt e em Fertőd. Deste modo, somente o primeiro ano de Haydn ao serviço dos Eszterházy foi passado praticamente todo em Viena.
Nestes primeiros tempos, assumia tarefas que transcendiam a composição musical, tais como garantir que os músicos se apresentavam bem vestidos, a boa manutenção dos instrumentos e a própria gestão dos efetivos. Tinha, no entanto, à sua disposição uma orquestra que, muito embora pequena (cerca de 15 músicos), era constituída por um corpo estável de intérpretes virtuosos. Era uma oportunidade que se impunha aproveitar. As sinfonias 6, 7 e 8 tiveram origem neste contexto, quando Haydn ainda procurava consolidar princípios de relacionamento com os músicos da orquestra. Para o efeito, as partes instrumentais foram escritas de maneira a que todos os músicos se destacassem nalgum momentos do maciço orquestral.
Os títulos das três sinfonias evidenciam pretensões programáticas. Tudo começa com o raiar do sol e termina em tempestade. Porém, aos alusões aos diferentes períodos do dia misturam-se com demonstrações de competência dos músicos. Ambas as intenções desafiavam as expectativas que havia na época diante do formato Sinfonia. Nos primeiros compassos d’A Manhã é possível vislumbrar o nascer do dia no fraseio da flauta, harmonias suaves e desenhos ascendentes nas cordas. O compositor entrega-se depois numa escrita cheia de vitalidade, com traços melódicos ágeis que permitem aos diferentes instrumentistas mostrarem o seu valor, em particular as cordas. Sem pressas, o segundo andamento tem um caráter contemplativo, destacando-se um solo expressivo do violoncelo. O Minueto traz leveza e ritmos dançáveis, naturalmente interrompidos por uma secção intimista onde sobressai o fagote. O Finale é enérgico e espelha bem o Estilo Galante então em voga, com harmonias simples, melodias equilibradas, clareza formal e sobriedade expressiva. Os contrabaixos têm intervenções vistuosísticas que surpreendem.
A Tarde é o período do dia mais intenso e radiante. Nesse sentido, a música evoca grandiosidade, drama e lirismo com sucessivos contrastes entre a luz e a sombra. O primeiro andamento é marcado por gestos rasgados e figurações ornamentadas dos violinos em diálogo animado com os restantes instrumentos. A prostração do andamento seguinte parece ilustrar a intensidade do meio-dia, quando o sol está no auge. Mais parece ser um recitativo orquestral sobre acordes resolutos e fraseios que remetem para uma ação teatral. Por instantes, também apresenta uma escrita concertante. Já no Minueto, os sopros e os contrabaixos chegam-se ao proscénio. Abrem caminho à agilidade das flautas e violinos que dominam o último andamento.
Chega assim A Noite, curiosamente mais espirituosa do que as sinfonias anteriores. Distingue-se pelo sentido dramático alternado com apontamentos de humor e ambientes bucólicos que sugerem o descanso ao final de mais um dia. Após um primeiro andamento que cita explicitamente uma melodia emprestada da ópera cómica de Christoph Willibald Gluck Le diable à quatre, o segundo andamento mais parece ser um concerto para solistas e orquestra. Quer o violino quer o violoncelo têm solos de recorte lírico marcados pela introspeção e pela melancolia; lembram a quietude meditativa do entardecer. Menos cerimonioso do que nas sinfonias anteriores, o Minueto apresenta danças rústicas de inspiração trivial. O último andamento subintitula-se «Tempestade» e eram as páginas mais disruptivas que Haydn tinha para apresentar ao seu novo patrono. Com passagens rápidas, trémulos nas cordas e dinâmicas contundentes, representa ventos e trovões, muito embora nunca perca de vista um disposição lúdica e bem humorada, aqui reforçada pelas constantes intromissões da flauta.
Rui Campos Leitão
Imagem: Joseph Haydn em 1792, pintura de Thomas Hardy (1757–circa 1805) / Fonte: Wikimedia Commons