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Um Concerto para Orquestra

É difícil imaginar que o Concerto para Orquestra BB 123, uma das obras orquestrais mais célebres do grande Béla Bartók, escrita em Nova Iorque numa altura em que já havia conquistado extraordinária reputação internacional enquanto compositor e pianista, tenha tido origem no período mais difícil da sua vida. Mas foi assim que aconteceu.

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    O compositor húngaro exilou-se nos E.U.A. no início de 1940 em virtude das circunstâncias da Segunda Grande Guerra. Contrariamente ao que indiciava uma bem sucedida digressão de concertos nos primeiros meses, as condições de vida que enfrentou nos cinco anos que se seguiram, e que culminaram na sua morte, foram extraordinariamente precárias. Durante os primeiros três anos não compôs qualquer nova obra. Pouco tempo mais tarde foi-lhe diagnosticada leucemia. Aos sessenta e dois anos, no início de 1943, encontrava-se incapaz de tocar piano em público de maneira satisfatória, vivia os terrores da guerra à distância, longe da terra que amava, estava dependente de tratamentos médicos dispendiosos e não recebia encomendas para compor.

O «mundo novo» não se lhe mostrava particularmente recetivo. Ainda assim, foi possível a convergência de uma série de apoios que permitiu a encomenda de uma grande obra orquestral. Destinava-se a evocar a memória da mulher do maestro russo Serge Koussevitzky, que se encontrava à frente da Orquestra Sinfónica de Boston. A estreia teve lugar no ano seguinte, dirigida pelo mesmo maestro no Carnegie Hall.

O facto de a partitura se intitular «Concerto para Orquestra» assenta no paradoxo de o formato Concerto ter, normalmente, um ou mais solistas. Neste caso, os solistas são cada um dos naipes da orquestra, dos quais se exige apurada destreza técnica. Os cinco andamentos dispõem-se em forma simétrica, com um andamento central em registo fúnebre, rodeado por dois intermezzos e dois andamentos de maior dimensão, nos extremos. Sucedem-se texturas e dinâmicas muito contrastantes que resistem a uma apreensão imediata. Parecem percorrer os sentimentos contraditórios do compositor face à própria existência, e mais genericamente diante da guerra que parecia não ter fim do outro lado do Atlântico. São páginas de música que favorecem ambientes de expectativa, carregados de melancolia e sentido de tragédia, mas também registos épicos que, ora sarcásticos ora épicos, nos lembram a influência de Schostakovich.

 

Rui Campos Leitão