Em 1989 Pēteris Vasks compôs um Concerto para Corne Inglês onde explora o timbre velado deste instrumento aparentemente parecido com o oboé mas, na realidade, com uma identidade sonora e características técnicas bastante próprias. À sua maneira, é uma obra que testemunha o ambiente vivido nos países bálticos no período que antecedeu o colapso da URSS.
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Nascido em 1946, Pēteris Vasks integrou no início da carreira várias orquestras na Letónia, enquanto contrabaixista. Dedicou-se depois à Composição. A sua música apresenta alguma afinidade com a de outros compositores oriundos do Leste Europeu e que se notabilizaram nos anos seguintes à dissolução da União Soviética, tais como Arvo Pärt e Henryk Górecki. Também explora soluções harmónicas minimalistas e texturas instrumentais relativamente estáticas, de pendor contemplativo. Porém, identifica-se ainda mais com o estilo neoclássico, pelo modo como estrutura formalmente as suas partituras e como, por vezes, recorre a melodias pré-existentes.
Com efeito, este concerto inclui melodias emprestadas da música tradicional da Letónia, o que em 1989 era facilmente conotado com causas nacionalistas; alusões implícitas à luta do povo letão pela plena autonomia política e pela independência. Nesse sentido, escuta-se ao longo deste concerto um dualismo expressivo que propõe conciliar duas dimensões antagónicas. Por um lado, a disposição bucólica e humanista protagonizada pelos contornos suaves das melodias. Por outro, a agonia e a propensão combativa que se reflete em rechaços rítmicos, acordes massivos e vislumbres de atonalidade. Mas o aspeto que se distingue sempre é o som do corne inglês. Este instrumento emite notas mais graves e um timbre mais suave do que o oboé. Na sua aparência, é ligeiramente mais comprido, a campânula tem a forma de bulbo e a palheta (dupla) encaixa num tubo metálico ligeiramente encurvado, o tudel. Normalmente tocado por oboístas, exige do intérprete um controlo diferente do fluxo de ar e da embocadura.
Do ponto de vista estrutural, a obra divide-se nos convencionais três andamentos do formato Concerto. Mas baralha a sucessão esperada. Na vez de um rápido-lento-rápido, apresenta um lento-rápido-lento. Por fim, junta um breve Póslúdio que pode ser entendido como Coda ou, caso queiramos enveredar por uma escuta mais criativa, como prenúncio do desenlace político que a História ditaria dois anos mais tarde, quando a Letónia viu restaurada a sua independência, em agosto de 1990.
Rui Campos Leitão