Tiago Derriça precisou de 157 horas e 21 minutos, cerca de dois meses de trabalho, para compor o seu primeiro Concerto para Piano e Orquestra; um convite da pianista Marta Menezes que deu azo à encomenda do Centro Cultural de Belém. Esta foi uma das confidências partilhadas pelo compositor numa breve conversa. Sem fazer mistério do processo criativo, não deixou, todavia, de sugerir que a música se descobre e convida à descoberta quando esquecemos narrativas como esta. Ela impõe-se por si mesma, de preferência escutada ao vivo. Estreia no dia 5 de março no Grande Auditório, com interpretação da própria Marta Menezes à frente da Orquestra Metropolitana de Lisboa.
**
Dividida em três andamentos, a estrutura deste concerto corresponde ao padrão clássico convencional. O primeiro andamento é o mais imponente, uma Forma Sonata que oferece ao piano a oportunidade de percorrer as suas potencialidades técnicas e expressivas. Não falta, sequer, a tradicional Cadência. Já o andamento central, é bastante mais fluído e melodioso. Começa num registo intimista protagonizado pelo solista em que se esconde uma referência surpreendente revelada pelo compositor. O ponto de partida terá sido a música ambiente do músico japonês Hiroshi Yoshimura, mais precisamente o álbum Green lançado em 1986 (o ano do nascimento de Tiago Derriça). A orquestra vai se impondo gradualmente, até atingir um clímax em que o piano é relegado para segundo plano. Por fim, o terceiro andamento corresponde a um Rondó, formato em que há uma secção principal intercalada ao longo do tempo por diferentes sonoridades, mas que prevalece. Volta-se aqui a explorar o virtuosismo do pianista. Ao longo de todo o tempo, a orquestra não se limita a um papel subserviente, na procura de sempre proporcionar uma experiência interessante para todos os músicos em palco. Há momentos que poderiam pertencer a uma sinfonia com piano obbligato. O mesmo acontece na secção de desenvolvimento do primeiro andamento, e até mesmo no segundo, com o piano a mergulhar progressivamente numa ladainha de arpejos.
Apresenta-se assim o terceiro concerto com orquestra de Tiago Derriça. Em 2015, compôs um Concerto para Violoncelo e Acordeão. Mais recentemente, um Concerto para Harmónica. Surgiu agora a oportunidade de satisfazer um desejo de longa data e encarar de frente o piano, um instrumento que conhece bem e com o qual tem grande afinidade, muito embora tenha tido formação como violoncelista. Para o efeito, inspirou-se na tradição concertante que se estende desde Mozart e Haydn até ao século XX de Poulenc e de Debussy. Faz questão, todavia, de frisar que não se trata de um mero pastiche, tão pouco uma peça «ao estilo de». Muito além disso, apesar de assumir com desassombro uma tendência neoclássica, a partitura reveste-se de contemporaneidade, com imaginários criativos próprios, recursos de escrita e influências bem presentes.
Tiago Derriça entende a composição musical como uma ferramenta que lhe permite expressar criativamente o entendimento que tem do mundo. Vislumbra no exercício da composição uma oportunidade para se conhecer, para compreender a sua própria existência, enquanto indivíduo e artista. Por enquanto, ainda não achou certezas, talvez porque a música seja um território de infindas descobertas. Não acontece assim com todos nós?
Rui Campos Leitão