Astor Piazzolla morreu em 1992, aos 71 anos de idade. Foi ele quem renovou o Tango, acrescentando-lhe técnicas jazzísticas e o seu natural talento para improvisar no bandoneón, mas também influências da tradição musical clássica europeia. As Quatro estações portenhas são bom exemplo disso. Traduzem-se num diálogo com as Estações de Vivaldi, tendo como pano de fundo as paisagens «portenhas».
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Apesar de se inspirar na criação mais célebre de Vivaldi, Piazzolla entendeu não se submeter a um guião pré-estabelecido. Ainda assim, não deixou de buscar sonoridades e efeitos característicos que dialogam com os mesmos cenários evocados pelo compositor veneziano, e em particular com a sua poética musical. Desta feita, a Natureza dilui-se no bulício da cidade de Buenos Aires. Sucedem-se o outono, o inverno, a primavera e o verão em entrelaçados desconcertantes onde se intrometem citações das mais célebres melodias de Vivaldi, imitações dos sons das cigarras e até o distante cânone de Pachelbel.
Entre as múltiplas referências que manifestam uma relação explícita com o passado, a música de Piazzolla transporta-nos inevitavelmente para outro hemisfério, em particular para o bairro pobre do porto de Buenos Aires, onde nasceu o Tango. Chamam-se, por isso, Estações Portenhas. Criadas entre os anos de 1965 e 1970, sem o propósito de formarem um conjunto, nenhuma das quatro peças descreve uma narrativa. Livremente inspiradas em arquétipos da música barroca, percorrem registos expressivos distintos que se relacionam com os «humores» das diferentes estações, mas também com a mundividência de uma grande metrópole latino-americana da segunda metade do século XX.
Rui Campos Leitão
Imagem: «El Viejo Almacén», fachada atual do restaurante em Buenos Aires dedicado ao tango nos anos 1970 | Jrivell, «Bar Viejo Almacén», 2013. Licenciado sob CC-BY-SA-3.0, via Wikimedia Commons