Os Onze Prelúdios Corais resultaram de um derradeiro fôlego criativo de Johannes Brahms. Na versão original, são curtas peças para órgão que sobrepõem técnicas de contraponto provindas do passado com a complexidade harmónica do apogeu romântico. Muito embora se baseiem em hinos litúrgicos, não tinham como propósito servir o ritual religioso. Resultam, porém, do enfrentamento do compositor com a condição da morte, numa altura em que lhe morreram amigos próximos e quando já lhe faltava saúde. Postumamente, foram feitas várias transcrições que os juntaram ao repertório orquestral.
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Os prelúdios corais são pequenas peças para órgão que introduzem no culto protestante os hinos seguidamente entoados pela congregação, os corais. Compostos ou improvisados, a tradição remonta ao século XVII – a compositores como Dietrich Buxtehude e Johann Pachelbel –, mas teve o seu corolário no século seguinte, com Johann Sebastian Bach. Genericamente, tomam um melodia pré-existente como base temática para um criação musical tendencialmente autónoma. No final do século XIX houve na Alemanha um revivalismo deste formato. São exemplos o Op. 67 de Max Reger e o Op. 122 de Johannes Brahms. Este último intriga os historiadores nalguns aspetos. Poderá ter resultado de revisões de partituras datadas de 1855 e 1856 que Brahms nunca quis publicar. Também não se tem certezas sobre o que o levou a retomar o género em 1896.
Em maio daquele ano, Brahms instalou-se em Ischl, uma pequena localidade austríaca onde gostava de passar os meses de verão. A sua amiga Clara Schumann morreu por essa altura, levando-o a deslocar-se até Bona para lhe render a última homenagem. Era comum nessas ocasiões ouvirem-se corais, cantados ou tocados por ensembles de metais. As conotações fúnebres do género eram, portanto, evidentes. Já tinha então concluído as Quatro Canções Sérias Op. 121 e os primeiros sete corais que constituiriam um primeiro livro. Pretenderia compor mais sete, depois de regressar a Ischl, mas só conseguiu completar quatro. Por motivos de doença regressou em julho a Viena, onde veio a morrer, em abril do ano seguinte. Estes últimos quatro corais só foram encontrados postumamente, muito embora os primeiros sete tenham sido revistos pelo próprio a fim de serem editados.
A maior parte dos Onze Prelúdios Corais está baseada em melodias corais luteranas dos séculos XVI e XVII. Os números 1, 4 e 8 baseiam-se, no entanto, em melodias do século XVIII, as mesmas que encontramos em harmonizações corais de Johann Sebastian Bach. Não espanta, por isso, que a influência de Bach se reconheça quando a melodia é apresentada sem interrupções nos corais 2, 5, 6, 8 e 9. Mas os últimos quatro têm diferenças estilísticas notórias. No oitavo, a melodia coral quase não se consegue identificar.
Brahms escolheu estes hinos em função de critérios pessoais, e não com propósitos litúrgicos. Já havia acontecido o mesmo quando compôs o Requiem. Era agnóstico, mas estava imerso numa cultura influenciada pela religião luterana. Quer isto dizer que os textos desses corais não são expressão de lamento. Somente os números 9, 10 e 11 fazem essa alusão. Conforme a tradição pietista, falam de compaixão e louvor a Deus. São uma mensagem serena de esperança e exaltação da vida.
Diferentemente das transcrições para orquestra que Arnold Schoenberg fez sobre dois destes mesmos Prelúdios Corais, em 1921, a transcrição assinada em 1999 pelo neerlandês Henk de Vlieger mantém-se fiel às técnicas de orquestração características de Brahms. Permite-nos assim imaginar como teria o próprio compositor escrito estas peças para orquestra na vez do órgão, um instrumento que conhecia bastante menos bem.
Rui Campos Leitão