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O Terramoto de Lisboa

O Terramoto de Lisboa é título do poema sinfónico que Armando José Fernandes fez estrear em outubro de 1962 no Pavilhão dos Desportos (atual Pavilhão Carlos Lopes). Por encomenda da Câmara Municipal de Lisboa, propunha-se ilustrar com música uma evocação do desastre sísmico de 1755, um dos acontecimentos mais marcantes da História Moderna da cidade de Lisboa.

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Em 1962, a Câmara Municipal de Lisboa encomendou uma série de poemas sinfónicos destinados a «exaltar a história e a vida da Cidade». As respetivas estreias repartiram-se em dois concertos intitulados «Lisboa e a Música», ambos com interpretação da Orquestra Sinfónica de Lisboa, agrupamento que havia sido formado pelo maestro Fernando Cabral em 1953. O primeiro aconteceu a 13 de junho, dia de Santo António. Ouviram-se então as As Ruínas do Carmo de Joly Braga Santos, O Castelo de Lisboa de Ruy Coelho, O Aqueduto das Águas Livres de Wenceslau Pinto e Alfama de José Domingos Brandão. Já no dia 25 de outubro, foi a vez de Uma Vela Vermelha de Jorge Croner de Vasconcelos, As Giestas de Monsanto de António Victorino d’Almeida, a sinfonia Os Jerónimos de Frederico de Freitas e O Terramoto de Lisboa de Armando José Fernandes.

À época, Armando José Fernandes era um dos compositores mais prestigiados do panorama musical português. Fora distinguido com vários prémios de composição na década de 1940, integrara o Gabinete de Estudos Musicais da Emissora Nacional e era Professor de Composição no Conservatório de Lisboa. Entre as suas criações mais relevantes contavam-se a música do bailado O Homem do Cravo na Boca, a Fantasia Sobre Temas Populares Portugueses, o Concerto para Violino e Orquestra e a Suíte para Orquestra de Cordas.

O Terramoto de Lisboa prossegue o uso de recursos neoclássicos e laivos da música tradicional tão característicos do seu trabalho. O próprio género Poema Sinfónico convidava à libertação das convenções formais. Sem prejuízo de um desenvolvimento coerente dos motivos rítmicos e melódicos, estrutura-se numa sucessão de episódios contrastantes. Após o despertar, apresenta um retrato pitoresco da cidade no esplendor da sua rotina diária; «Lisboa garrida, brinca com o Tejo, e os caleches dos grandes senhores abandonam as belas quintas dos arredores a caminho dos palácios da cidade.» A dado momento, escutam-se os sinos das igrejas e o Introito da Missa; referência explícita ao Dia de Todos os Santos. Segue-se uma polifonia coral que em jeito de oração recupera a melodia de um Kyrie do compositor renascentista Duarte Lobo. Por entre a disposição contemplativa, desponta a iminente ameaça. Irrompem subitamente os ritmos caóticos nas percussões e dissonâncias. «A terra treme, surge o alarme. Forças indomáveis sacodem mais e mais o casario. Os edifícios fendem e ruem, os incêndios alastram, as desgraças multiplicam-se». Por fim, a acalmia regressa, agora na companhia de pasmo e desolação. Soam os primeiros prantos numa marcha fúnebre. O registo dramático adensa-se com sequências harmónicas inconcludentes e reações esparsas dos diferentes naipes da orquestra. «Gritos pungentes com lágrimas de dor e luto enchem os ares!» – lembra-nos o final da Sinfonia Patética de Tchaikovsky. «Mas um homem tem a responsabilidade da governação: O Marquês de Pombal, digno, clarividente, corajoso, duro.» Prepara-se o final ao ritmo resoluto de uma marcha militar. Anuncia-se o herói que «Consegue dominar o terror, reprimir o crime, impor a ordem». Exalta-se a capacidade de superação de um povo e o alento para «reconstruir, erguer nova Lisboa!»

 

Rui Campos Leitão

 

Fotografia: Por ocasião do concerto no Pavilhão dos Desportos a 25 de outubro de 1962; Armando José Fernandes diante do Presidente da República Américo Tomás e do Presidente da CML António Vitorino da França Borges, na companhia dos restantes compositores do programa; Fonte: Revista Municipal N.º 95