Quando eclodiu a Primeira Grande Guerra, em julho de 1914, Maurice Ravel contava trinta e nove anos de idade. Fez questão, ainda assim, de se alistar nas forças armadas francesas. Durante os quatro anos que se seguiram, praticamente não compôs. Ainda que não o aparente, a obra que melhor retrata essa experiência de vida é a suíte Le tombeau de Couperin.
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Em jovem, Maurice Ravel havia sido dispensado do serviço militar, em virtude da sua débil compleição física. Passadas duas décadas, quando teve início a Primeira Grande Guerra, e apesar de então já ser um compositor reputado, quis dar o seu contributo cívico à nação francesa. Tentou juntar-se à aviação militar, mas não tinha o peso requerido. Em março de 1915 viu-se finalmente alistado num Regimento de Artilharia, sendo destinado a serviços de apoio logístico. Após um ano de formação, partiu para a primeira missão ao volante de um camião que transportava provisões de combate para a frente de batalha, no nordeste do país, perto do Luxemburgo. Ao fim de pouco tempo passou a servir uma unidade hospitalar bastante próxima da zona de conflito, seguindo-se um episódio em que ficou retido numa pequena localidade durante três meses devido a uma avaria mecânica na viatura. Por essa altura, além de lhe ser diagnosticada uma doença de coração, sofreu uma disenteria que o obrigou a regressar a Paris. No mês de janeiro seguinte, sua mãe faleceu, abalando-o muito seriamente, desta feita na condição anímica. Foi então que recebeu uma licença de serviço. Já em junho de 1917, Ravel instalou-se em casa da família Dreyfus, a cerca de cem quilómetros de Paris, e aproveitou a ocasião para completar a suíte para piano Le tombeau de Couperin que havia iniciado em 1914.
Cada uma das seis peças que compõem a suíte foi dedicada à memória de amigos seus que morreram na guerra. O Prelúdio lembra Jacques Charlot, que transcreveu para piano várias obras de Ravel. A Fuga é dedicada a Jean Cruppi, filho de Mme. Cruppi, uma importante apoiante da carreira do compositor. A Forlane recorda o pintor basco Gabriel Deluc, e o Rigodão os dois irmãos e amigos de infância Pierre e Pascal Gaudin. A Jean Dreyfus, enteado de Mme. Fernand Dreyfus, é dedicado o Minueto, e a Tocata a Joseph de Marliave, marido da pianista Marguerite Long, quem estreou a obra. A versão orquestral original inclui apenas quatro daquelas peças – o Prelúdio, a Forlane, o Minueto e o Rigodão. Postumamente, foram vários os compositores que orquestraram aquelas «em falta», designadamente a Fuga e Tocata.
No todo, com um distanciamento manifestamente irónico, é música que não redunda em lamentos e pesares. Afinal, quem sabe como deve ou não deve ser chorada a morte de alguém? Curiosamente, quando em 1937 Ravel foi levado para o hospital onde viria a morrer, deixou na estante do seu piano, precisamente, a partitura de Le tombeau de Couperin.
Rui Campos Leitão
Imagem: Maurice Ravel | Fonte: BnF Gallica