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O Maestro

O maestro

Vamos conhecer melhor o trabalho do maestro à frente de uma orquestra, a sua importância e as funções que desempenha na transformação da partitura em música de verdade. Tal como o capitão de um navio, sabe bem por onde ir. Sobe ao estrado para liderar e orientar os músicos instrumentistas no rumo certo. Todos sabem o que fazer, mas é nos gestos e no olhar do maestro que todos confiam a interpretação da obra. Tocam rápido, muito rápido… depois lento, um pouco mais lento, ainda. Tocam suavemente, como o voo de um águia, bem lá no alto. Ou bruscamente, como uma trovoada repentina. Independentemente de como o fazem, estão sempre juntos, com a mesma energia e a mesma vontade, compasso após compasso. Quando tudo corre maravilhosamente, nem se dá conta da presença do maestro.

 

O que faz o maestro

O maestro é, primeiro que tudo, um músico da orquestra. Mas ocupa uma posição destacada. Do cimo do estrado, lidera e coordena o grupo de maneira harmoniosa. Ao longo dos últimos três séculos, as suas funções evoluíram muito. Limitavam-se, de início, à indicação das entradas e à marcação dos tempos. Hoje em dia, tanto cuida de detalhes sonoros que nos passam despercebidos como é o principal responsável pela qualidade técnica e artística alcançada, no seu todo. Assume, por vezes, um estatuto de prestígio que faz de si a principal referência mediática em muitas produções.

Compete-lhe, portanto, recriar as partituras musicais que – idealmente – conhece profundamente. Para isso, tem de conseguir transmitir as suas decisões por intermédio de palavras ou gestos que orientem o trabalho de cada um dos membros da orquestra – primeiro nos ensaios, depois nos concertos. E não basta certificar-se de que são efetivamente tocadas as semínimas e as colcheias. Tem também de procurar a coesão sonora e comunicar intenções expressivas de maneira eficaz; seja com a batuta, com as mãos, com o olhar…

Em suma, é um verdadeiro MC, um Mestre de Cerimónias de experiências musicais vividas e partilhadas. Mas nunca deixa de ser o garante de que as determinações do compositor são respeitadas.

 

A competência técnica e a formação humanística

A direção orquestral exige a capacidade de mobilizar a atenção de todos ao redor. Para isso, recorre-se a competências sociais persuasivas e ao carisma pessoal. Mas há duas vertentes da atividade do maestro que não são evidentes numa apreciação mais desatenta: a preparação técnica e os conhecimentos históricos, estéticos e culturais.

No processo de transformação da partitura em fruição musical plena, o maestro tem que dominar vários recursos técnicos, tais como o efeito dos seus gestos no desempenho de cada um dos músicos. Ao longo da formação, treina múltiplas competências, como a precisão das entradas, a melhor maneira de rematar uma frase musical, a regularidade das pulsações, a definição dos compassos, o contorno das melodias… Mas trabalha também a excelência auditiva, ou seja, a capacidade de compreender e analisar minuciosamente uma partitura, desde os pormenores até à forma geral, assim como a capacidade de ouvir a música mentalmente, em silêncio. Estas são algumas das competências técnicas que lhe são indispensáveis.

Junta-se depois um outro domínio, mais vasto, que amplia o alcance do processo interpretativo. Trata-se do conhecimento profundo dos estilos e das ideias próprias das épocas em que as obras têm origem e, de igual modo, das tendências artísticas que distinguem os diferentes compositores. Resultam assim «leituras» pessoais que provêm de um saber acumulado e das quais depende a criação das necessidades e das urgências essenciais à prática musical. Não há um concerto igual a outro. As diferenças contextuais dos lugares e dos momentos levam a que as interpretações de uma obra, ainda que pela mão do mesmo maestro, variem sempre entre si. A consistência artística ancora-se em entendimentos que evoluem com o conhecimento e a experiência adquiridos ao longo do tempo.

 

Personalidades e estilos de liderança

A personalidade e o estilo de liderança de cada maestro têm uma influência muito grande na música que ouvimos. Sendo a orquestra constituída por dezenas de pessoas, cada qual com aspirações e trajetos de vida próprios, é imperativo a criação de um ambiente de trabalho focado em objetivos comuns. Enquanto líder, as relações interpessoais que o maestro mantém com o grupo são determinantes. Mas o poder e o carisma tanto podem inspirar e motivar como produzir efeitos contrários. Qualquer falta de rigor, qualquer manifestação de desleixo sobre aspetos relativos à organização, despertam reações imprevisíveis, por vezes difíceis de reverter.

Há grandes maestros com os perfis mais diversos que podemos imaginar: controladores, como Arturo Toscanini ou Herbert von Karajan; afáveis, como Pedro de Freitas Branco; austeros, como Pierre Boulez; enérgicos, como Georg Solti; serenos como Carlo Maria Giulini; colaborativos, como Claudio Abbado e Leonard Bernstein… De uma maneira ou de outra, sempre em harmonia com a personalidade de cada um, todos impuseram a autoridade que lhes permitiu mobilizar a orquestra em torno das suas ideias.

 

O corpo, o gesto e o olhar

Cada maestro desenvolve uma qualidade do gesto que lhe é própria, mesmo que baseada nos livros de método. Os objetivos fundamentais desse processo são a clareza, a precisão e a expressividade. Com efeito, o gesto é o principal recurso de que dispõe para transformar as ideias em música. Por um lado, é um indicador que orienta e condiciona as ações dos músicos. Por outro, é a representação física de uma intenção musical. Em todo o caso, impõe-se eliminar tudo o que seja supérfluo para resultar significativo e persuasivo. Não se trata, todavia, de um repertório codificado de movimentos. Tal como um ator incorpora a personagem a partir do texto, o maestro incorpora a música a partir da partitura, vivenciando e expressando ideias musicais que vão além da mera execução técnica. Um bom maestro, não executa apenas gestos eficazes. Ele representa, encarna e inspira a música que ouvirmos.

Os gestos (visualmente ampliados pela batuta) determinam a coesão rítmica, o caráter das entradas e saídas dos instrumentos, destacam diferentes partes, realçam dinâmicas e articulações. Mas o maestro comunica também com o olhar, com as expressões faciais e com a postura do corpo, sempre em busca de efeitos dramáticos e, consequentemente, da afetação dos músicos e dos ouvintes. Em suma, o maestro é um especialista em comunicação não verbal.

 

Um contador de «histórias musicais»

O maestro não toca nenhum instrumento, mas é quem decide como a música deve ser tocada e sentida. Lê a partitura (o livro onde estão escritas a notas musicais) e, com os seus gestos, dá indicação aos músicos se a música deve soar alegre, triste, furiosa, delicada… Uma mesma música, pode ser tocada ou cantada de tantas maneiras diferentes!

 

Quem manda

Os músicos de uma orquestra sabem muito bem as notas que têm de tocar, e quando o devem fazer. Isso está escrito na partitura que estudam sozinhos em casa. Chegados aos ensaios e ao concerto, estão sempre atentos às indicações do maestro, pois é ele quem, com gestos e olhares, lhes dá o sinal exato para entrarem no momento certo e da maneira certa – chama-se «dar as entradas». As notas são as mesmas, mas podem ser tocadas de maneiras muito diferentes — mais fortes, mais suaves, mais rápidas, mais lentas, etc. Se cada um tocasse à sua maneira, não iria soar bem. É o maestro quem mantém a orquestra toda junta.

 

O metrónomo humano

O metrónomo é um pequeno aparelho que emite o som de uma pulsação regular para ajudar os músicos a manterem o tempo da música sempre certo. Mas só é usado nas sessões de estudo individual. Nos ensaios e nos concertos, o maestro é a referência que têm de seguir. Ele é o responsável por manter a orquestra junta numa mesma pulsação rítmica, desde o princípio até ao fim da música. Ora mais rápido, ora mais lento, com os seus movimentos indica a velocidade que todos os instrumentistas seguem. Ninguém se pode atrasar, nem apressar, ou lá se estraga o nosso concerto!

 

A batuta

A batuta é um pauzinho muito fino e comprido que o maestro segura na mão. Normalmente é feita de madeira, mas também pode ser de plástico ou outros materiais. Não é um instrumento musical, mas ajuda o maestro a ser visto mais facilmente por todos os músicos, mesmo por aqueles que estão distantes. É como se fosse um prolongamento do braço, tornando os gestos mais claros e visíveis. Há ocasiões em que o maestro prefere não usar batuta.

 

As partituras

As partituras são como os livros que lemos. Porém, na vez de letras e palavras, contém figuras musicais em pautas de cinco linhas que indicam a altura das notas, as suas durações, se são tocadas «forte» ou «piano», etc. Cada músico tem à sua frente uma estante onde apoia a partitura da música que vai tocar. Mas esta não inclui a música que os colegas do lado tocam. Por isso, a partitura do maestro é a maior de todas – porque tem muitas mais pautas. O maestro tem de saber aquilo que todos os músicos da orquestra estão a tocar em todos os momentos. A sua partitura tem escritas as partes de todos os instrumentos, desde o princípio até ao fim da peça.

 

O maestro vestido de preto

Nem sempre o maestro se veste de preto, mas isso acontece na maioria das vezes. Em parte, isso deve-se a uma tradição. É como se fossem os fatos que se vestem naquelas festas muito elegantes. Mas o preto também está associado à seriedade e ao profissionalismo. Essa é uma razão que explica o fatos escuros dos maestros e dos músicos das orquestras. Ninguém quer que o público se distraia com roupas ou cenários. Afinal, o mais importante é a música. É na música que a atenção do ouvinte deve focar-se.

 

Rui Campos Leitão