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O Estilo Plural de Schnittke

A música de Alfred Schnittke provoca sentimentos dúbios. Tanto pode despertar angústia como ironia. Em parte, isso deve-se à sobreposição de texturas sonoras distintas. Mas vai além da simples apropriação ou colagem de referências musicais pré-existentes. O próprio compositor enunciou o termo Poliestilismo para delimitar esse proposta estética híbrida, assente em citações e alusões. Quer isto dizer que se presume a participação do ouvinte na «leitura» de obras como o Concerto Grosso N.º 3.

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O Concerto Grosso N.º 3 foi estreado em abril de 1985 na cidade de Moscovo. Foram solistas os violinistas Oleh Krysa e Tatiana Grindenko à frente da Orquestra de Câmara de Leningrado sob direção de Saulius Sondeckis. A partitura junta aos solistas uma pequena orquestra de cordas acompanhada pelo piano, pelo cravo e por sinos tubulares que acrescentam uma atmosfera onírica em dados momentos. Distingue-se por um pluralismo de linguagens inspirado na evocação de cinco efemérides – naquele ano celebrava-se o quarto centenário do nascimento de H. Schütz, o terceiro de J. S. Bach, F. Händel e D. Scarlatti, e o centenário do nascimento de Alban Berg.

Segundo algumas interpretações, os cinco andamentos dispõem-se em Forma Sonata. O primeiro corresponde à Introdução, o segundo à Exposição, o terceiro ao Desenvolvimento, o quarto à Reexposição e o quinto a uma Coda. Outras análises identificam uma estrutura cíclica dividida em duas partes: por um lado os primeiros três andamentos, por outro os dois últimos. Mas Schnittke chamou-lhe Concerto Grosso, o que remete para um formato do período barroco em que secções com um número restrito de instrumentos (concertino) se confronta com as intervenções da orquestra (tutti). Ainda assim, as figurações barrocas restringem-se quase somente à primeira metade do primeiro andamento, o que se parece com uma tocata barroca ou nos faz lembrar o Duplo Concerto em Ré Menor de Bach.

Já o segundo andamento estabelece correspondências com o dodecafonismo – sistema de composição inventado por Arnold Schönberg e que se baseia numa sucessão fortuita das doze notas da escala cromática. Alban Berg foi aluno de Schönberg e empregou nas suas composições essa mesma técnica que Schnittke também conhecia, pois estudou em Moscovo nos anos 1950 com um discípulo de Webern. Começam então a aparecer conotações menos evidentes, tais como monogramas. Primeiro, ouve-se o tema. Depois, seis variações que começam, cada uma delas, com as notas que correspondem na notação musical germânica a referências encriptadas dos nomes daquelas grandes figuras da História da Música (como exemplo, Alban BErG – Lá, Si Bemol, Mi, Sol). Os monogramas reaparecem ainda no quarto andamento, com as notas B-A-C-H. Só já perto do final do último andamento voltamos a reconhecer sonoridades barrocas.

Rui Campos Leitão