No início do catálogo de Joly Braga Santos aparecem indicados dois Noturnos. O primeiro, de 1942, para violino e piano, despertou a atenção para o talento de um jovem com dezoito anos de idade quando foi transmitido na Emissora Nacional. O segundo seria estreado cinco anos mais tarde no Teatro Nacional de São Carlos pela Orquestra de Cordas da Emissora Nacional sob direção de Pedro de Freitas Branco.
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Depois de abandonar o Conservatório, em 1945, Joly Braga Santos tornou-se discípulo particular de Luís de Freitas Branco, a mais importante figura da composição portuguesa no seu tempo. Isso permitiu-lhe aventurar-se nos mais altos voos da música orquestral, designadamente na Abertura Sinfónica N.º 1 e, logo de seguida, numa Sinfonia para Cordas que prontamente floresceu na Sinfonia N.º 1. Apesar das dificuldades financeiras que enfrentava e dos obstáculos trazidos por uma personalidade aparentemente dispersa e pouco metódica, estava rodeado de grandes mestres e amigos que acreditavam no seu trabalho. Imagine-se a oportunidade de estrear três sinfonias no espaço de apenas um ano e meio – entre fevereiro de 1947 e agosto de 1949 – e de receber sucessivas encomendas do Gabinete de Estudos Musicais da Emissora Nacional e de outras instituições.
Uma dessas encomendas poderá estar relacionada com a origem do Noturno para Cordas. No dia 26 de maio de 1947 realizou-se no São Carlos um Espetáculo de Gala integrado nas Comemorações Oficiais do VIII Centenário da Tomada de Lisboa aos Mouros; a primeira parte foi preenchida com música sinfónica, a segunda com bailados. A abrir, «A composição de Joly Braga Santos consta de três números que se quiseram intitular em conjunto ‘Lisboa’, o 3.º com coros, todos três zelosos de corresponderem à encomenda com que o autor foi distinguido» (Diário de Lisboa, 27/05/1947). Os documentos hoje disponíveis não são conclusivos, mas permitem conjeturar que a última das três peças fosse a cantata coral «A Conquista de Lisboa», que a primeira fosse a Abertura Orquestral N.º 2, e que a segunda fosse este Noturno que fora estreado três semanas antes no mesmo palco, também pelo maestro Pedro de Freitas Branco.
Um dos aspetos que de imediato se destacam nesta pequena peça são os solos confiados à viola d’arco. É bem conhecida a influência que o violetista belga François Broos teve junto de Joly Braga Santos, de que é exemplo a composição do Concerto para Viola em 1960. Porém, Broos só se instalou em Portugal em 1948, pelo que outra razão terá existido.
De resto, assiste-se à espontaneidade melódica tão característica deste compositor. De início, a viola espraia-se sobre um motivo de quatro notas insistentemente repetido nos instrumentos mais graves da orquestra, em jeito de ostinato. Depois, melodias de matriz modal discorrem pelas «vozes» que se entrelaçam em contrapontos dolentes. Também as harmonias evitam caminhos fáceis, sempre em diálogo com tradições ancestrais. Simultaneamente melódica e harmónica, é esta a identidade sonora que distingue o Noturno para Cordas de Joly Braga Santos.
Rui Campos Leitão