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Impressões de Lacerda

Os Encontros Sonoros Atlânticos assentam numa ligação profunda aos Açores, a terra de origem de Francisco de Lacerda (1869-1934). Na 3.ª edição deste Ciclo de Concertos, o seu Diretor Artístico, Vasco Mendonça, convidou Sérgio Azevedo para «reduzir» quatro peças orquestrais deste compositor à dimensão de uma formação clássica, de maneira a permitir que sejam tocadas com maior frequência nas salas de concerto. As escolhas recaíram sobre os curtos poemas sinfónicos Dans le clair de lune, Almourol, Épitaphe e Moira Encantada.

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A música orquestral de Lacerda parece-se com paisagens sonoras, quase sempre assentes em laboriosas progressões harmónicas modais e texturas instrumentais extremamente cuidadas. Não oferece lugar para grandes melodias ou cadências rítmicas retumbantes, ao que não será alheia a sua formação parisiense. Reconhece-se por um lado um grande domínio da escrita polifónica, apanágio da Schola Cantorum que frequentou e onde, para lá de música instrumental, também se estudava gregoriano e repertório sacro anterior ao século XIX. Nesse sentido, as sugestões arcaizantes estão quase sempre presentes. Por outro lado, o tratamento da orquestra convida a estabelecer relação com as principais nomes da composição francesa da época. Lacerda foi aluno de Vincent d’Indy e conhecia Claude Debussy.

Também a sua música sugere dimensões poéticas explícitas, como se comprova nestes títulos compostos ainda antes de regressar a Portugal, no final da década de 1920. «Dans le clair de lune» não esconde uma alusão ao poema de Paul Verlaine celebrizado por Debussy. Em «Epitáfio», a expressão fúnebre é reforçada pela exaltação romântica da figura do herói. Juntam-se ainda «Almourol» e «Moira Encantada», duas orquestrações de peças para piano que integram o tríptico Levantinas, impressões de uma viagem realizada pelo compositor à Turquia em 1925.

O principal desafio que se colocou a Sérgio Azevedo foi encontrar alternativa para os naipes numerosos das madeiras e dos metais. Mas também, e sobretudo, para as harpas. A harpa é um instrumento que imprime um carisma inconfundível na orquestra. Tais efeitos migram aqui para instrumentos como o vibrafone e o glockenspiel. Ainda assim, a natureza profunda da música de Lacerda prevalece incólume.

 

Rui Campos Leitão