O conceito de Tradição atravessou toda a carreira de Fernando Lopes Graça, enquanto motivo de reflexão intelectual e fonte de inspiração criativa. Terá sido o «grande enigma» de toda uma vida, sobre o Tempo e a Identidade, sobre como a Cultura relaciona o passado com o presente. A Sinfonieta foi composta em 1980 e invoca as sinfonias de Joseph Haydn. Com recuo de dois séculos, presta tributo ao músico austríaco.
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Em novembro de 1981, numa entrevista publicada na revista Vértice, Fernando Lopes Graça respondeu da seguinte maneira, quando lhe perguntaram sobre a admiração que tinha por Joseph Haydn.
«Quem é que pode não admirar o ‘papá’ Haydn, a sua frescura de invenção, a sua técnica acabada de sinfonista, a sua musicalidade sem refolhos, a sua natureza dadivosa de aldeão superiormente dotado para a sua arte e que à sua arte nunca deixou de oferecer a alacridade, a robustez das suas raízes? Uma das minhas recentes obras é uma Sinfonieta, ‘Homenagem a Haydn’. Não dirá isto alguma coisa acerca da minha veneração pelo velho mestre? Prouvera fosse ela, a Sinfonieta, digna da genial figura invocada.»
Fernando Lopes Graça prosseguiu nesta obra o seu estilo inquieto, ora lúgubre ora festivo, mas sempre imprevisível e de grande efeito. Ao encontro do legado de Haydn, reteve as proporções clássicas da sinfonia e uma irrepreensível clareza discursiva. Em particular, «dialogou» com a sinfonia Militar do compositor austríaco. Ambas têm início com uma introdução lenta. Mas a referência mais explícita acontece a meio do terceiro andamento (Gaio – Vivo), quando recorreu a uma melodia emprestada do terceiro andamento da partitura de Haydn. A melodia que se ouve no Trio, a parte lenta (central) do Minueto, é trabalhada como se de uma reminiscência se tratasse. Surge hesitante, incompleta, esfumando-se numa memória sempre quebrada por intervenções inusitadas da orquestra.
Rui Campos Leitão