Festival do Violoncelo Paulo Gaio Lima
28, 29 e 30 de abril de 2023
Teatro São Luiz
A melhor maneira de recordar um grande violoncelista e pedagogo do violoncelo é fazendo música. Paulo Gaio Lima morreu há quase dois anos. A sua memória guarda muitos ensinamentos, mas sobretudo a maneira descomplicada como encarava a música, dando igual importância à dedicação, à generosidade e ao entusiasmo por esta arte. É com este espírito que ao longo de três dias se reúnem neste pequeno festival músicos de todas as idades.
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A Orquestra Metropolitana de Lisboa, formação que ajudou a fundar e consolidar a partir de 1992, apresenta dois concertos, lado a lado com músicos que foram seus alunos na Academia Nacional Superior de Orquestra ou que trabalharam consigo bastante de perto. Na 6.ª Feira e no Sábado, os programas abrem com os Divertimentos N.º 2 e N.º 1 de Joly Braga Santos, respetivamente. Apesar dos títulos, são duas criações que em nada se parecem. O Divertimento N.º 2, datado de 1978, vinca esse período em que Braga Santos se interessou pelo experimentalismo das vanguardas, ensaiando o atonalismo e a imprevisibilidade rítmica. É uma obra com dois andamentos escritos para cordas e entrecortados por múltiplas secções carregadas de tensão dramática. Por seu turno, o N.º 1 foi composto dezoito anos antes. Nele se reconhecem ideias musicais afins à música tradicional portuguesa, ainda que não seja possível identificar a origem de cada uma delas. São frases melódicas curtas que aparecem no início de cada andamento, ritmos característicos, intervenções cirúrgicas por parte das percussões e harmonias que associamos imediatamente à nossa cultura.
Seguem-se obras concertantes que têm o violoncelo como protagonista. No primeiro dia é interpretado o Requiem que o violoncelista checo David Popper dedicou em 1892 à memória do seu amigo e editor Daniel Rahter. São oito minutos em que sobressaem fraseios lamentosos dos três solistas. Segue-se então o ambiente sombrio do Segundo Concerto para Violoncelo de Schostakovich. Datado de 1966, é bastante menos tocado do que o primeiro, mas pontuado por momentos de grande beleza em estreito diálogo com a orquestra. Já no segundo dia do Festival, temos a oportunidade de revisitar o segundo dos dois concertos de Haydn que nos chegaram, separados entre si por cerca de duas décadas. Este concerto em Ré Maior foi composto em 1783 e é unanimemente apreciado como exemplo modelar da forma Concerto de estilo clássico.
Mas o corolário do Festival do Violoncelo Paulo Gaio Lima está reservado para domingo. Mais de uma centena de violoncelistas provenientes de todo o país formam uma insólita orquestra para interpretar repertório de todos os géneros e feitios, desde Purcell e Bach a Jobim e Gardel. É ocasião para celebrar o poder que a música tem para nos juntar, seja na dança ou no cinema, no livro da selva ou no mundo das arábias, no convívio e na partilha, pela esperança no que ainda virá, pela memória de quem já nos deixou… talvez cedo demais.
Rui Campos Leitão