No Concerto Romeno de György Ligeti florescem com exuberância melodias e padrões rítmicos que denotam a conotação cultural identitária que se lê no título. Ainda assim, toda a música é original. Foi composto em 1951; muito tempo antes das criações mais emblemáticas da década seguinte, tais como Atmosphères e Lux Aeterna.
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Ligeti nasceu numa zona da Transilvânia onde se falava húngaro e que faz parte da Roménia. Após a guerra, em 1949, foi estudar música em Budapeste. Familiarizou-se então com o tratamento da música tradicional na linhagem de Bartók e Kodály. Naquela região, a música popular tinha características que desafiavam as convenções clássicas, tais como repetições persistentes (ostinatos) e a duplicação paralela de vozes (heterofonia) que favoreciam as dissonâncias. O jovem compositor juntou-se então ao Sindicato dos Músicos Húngaros, o que lhe trazia vantagens; tais como fazer residências artísticas no castelo medieval de Rákóczi, onde compôs esta obra. Estava, porém, sujeito à censura. A partitura chegou a ser lida num ensaio da Orquestra da Rádio Húngara, mas foi rejeitada. Provavelmente devido às experimentações do último andamento, não chegou a ser tocada em público nem difundida pela rádio, e perdeu-se quando o músico partiu para Viena, logo após a Revolução de 1956. Alguns anos mais tarde, foi reconstituída, mas com muitos erros. Já nos anos 1990, o próprio Ligeti fez a revisão que deu origem à versão que conhecemos hoje. Tornou-se num dos seus trabalhos mais frequentemente tocados.
Sem solista, chama-se Concerto porque vários instrumentos se destacam da orquestra em diferentes momentos. As madeiras têm múltiplos apontamentos solísticos, se bem que os solos principais sejam confiados às trompas e aos violinos. Encadeia-se uma série de danças em quatro andamentos com características diversas. Numa alternância ininterrupta Lento-Rápido-Lento-Rápido, os primeiros dois são adaptações de peças escritas anteriormente para duo de violinos. Ressaltam aí escalas modais e padrões rítmicos enérgicos. O terceiro andamento é aquele em que melhor se distingue a «assinatura» de Ligeti. O material principal é tocado por duas trompas, uma ilusão de eco que lembra trompas alpinas. É um exercício de composição subtil em que tudo é conseguido com recursos mínimos e o uso meticuloso de combinações tímbricas. Ainda assim, o Finale é a secção mais ousada estilísticamente, sobretudo na secção das cordas. É uma tarantela frenética com fraseios ao estilo violinístico cigano, porventura inspirado em George Enescu. Já perto do fim, regressam as trompas, criando impasse. Mas sempre acaba por aparecer, o último acorde.
Rui Campos Leitão