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Com a Cabeça na Lua

Joseph Haydn compôs a ópera Il mondo della luna no verão de 1777, no contexto da celebração do casamento do segundo filho do Príncipe Nikolaus Esterházy. No libreto de Carlo Goldoni, a lua apresenta-se como símbolo de utopia, sítio de liberdade e igualdade, em suposto contraste com a iniquidade que reina ao cimo da terra. A abertura orquestral anunciava um estilo musical também alternativo, com maior fluidez, simplicidade melódica, leveza rítmica e texturas homofónicas. Poucos anos mais tarde reconfigurou-se no 1.º andamento de uma sinfonia, a N.º 63 do músico austríaco.

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O Imperador José II foi um dos governantes europeus que em finais do século XVIII traduziram os ideais iluministas em ação política. Buscou melhorar a eficiência administrativa e promover a igualdade de todos diante da lei. Já no domínio das artes, a partir da década de 1770, preteriu gradualmente as companhias de ópera italiana que tinha ao seu serviço em favor de espetáculos com maior integração entre música e drama cantados (e falados) em alemão. Porém, nos meios aristocráticos da época, a ópera italiana mantinha a sua aura de prestígio e sofisticação. O Príncipe Nikolaus Esterházy instalou então no palácio de Eszterháza um palco com recursos cénicos e, em sentido inverso, patrocinou espetáculos de ópera cantados em língua italiana. Mas ía muito além do exibicionismo vocal e da desarticulação narrativa. Joseph Haydn participou nestas produções e acrescentou algo mais, como acontece em Il mondo della luna.

O libreto consiste numa comédia de enganos que gira em torno de Buonafede, pai ingénuo enredado no estratagema de Ecclitico, que se faz passar por astrónomo para conseguir o seu casamento e do seu amigo Ernesto com as filhas Flaminia e Clarice. Iludido por cenários forjados num telescópio, Buonafede é convencido de que existe civilização na Lua… e aceita viajar até lá. Enquanto delira pelo efeito de uma poção, a trama desenrola-se. Ao despertar, percebe que a «Lua» era, afinal, o jardim de Ecclitico. Acaba, porém, por consentir os casamentos das filhas.

A abertura orquestral distingue-se por instalar uma atmosfera alegre e descontraída. Sobre ritmos enérgicos e variações dinâmicas pronunciadas, discorrem melodias irrepreensivelmente proporcionadas e uma orquestração cristalina, pontuada por intervenções criteriosas das diferentes famílias de instrumentos. Ajusta-se na perfeição a um ambiente lúdico e cerimonioso. É uma combinação certeira de entretenimento e comoção.

 

Rui Campos Leitão