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Catfish Row

A suíte orquestral Catfish Row reúne alguns dos excertos musicais mais conhecidos de Porgy and Bess, ópera que George Gershwin fez estrear em 1935. A adaptação foi feita pelo próprio compositor com o objetivo de promover o projeto e angariar apoio para reposições sequentes do espetáculo. Enquanto peça de concerto, resultou numa obra que se afirma autonomamente. Divide-se em cinco partes que, por um lado, depuram o contraste entre tragédia e esperança presente no libreto e, por outro, sintetizam a confluência de sonoridades tão distintas quanto a sofisticação da tradição musical europeia e os estilos musicais afro-americanos que floresciam na época. Sobressaem as melodias «Summertime», «I Loves You, Porgy» e «It Ain’t Necessarily So».

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Catfish Row é o cenário da ópera Porgy and Bess. Retrata indisfarçadamente Cabbage Row, um prédio de três andares que realmente existe, na zona portuária de Charleston (Carolina do Sul, EUA). Aí vivia uma comunidade negra cuja realidade inspirou o romance homónimo de DuBose Heyward publicado em 1925. O enredo, que se desenvolve em torno da personagem de um mendigo com deficiência física (Porgy), enquadra a luta pela sobrevivência e os sonhos de vidas marginalizadas representativas de tantas outras por esse mundo fora. O motor da ação é o amor que Porgy sente por Bess, uma mulher dependente de cocaína e vítima de violência conjugal, mas capaz de sonhar e abraçar as causas dos outros.

A ópera estreou a 30 de setembro de 1935 no Colonial Theatre de Boston. Quando várias das suas canções já faziam sucesso nas rádios, Gershwin preparou esta suíte e juntou-a aos programa dos concertos que apresentou nos meses seguintes nas cidades de Philadelphia, Washington, Chicago, São Francisco, Detroit e St. Louis – faleceu em julho de 1937, com apenas 38 anos de idade, vítima de um tumor cerebral. A partitura permaneceu disponível no circuito de músicos que consigo a tocaram, mas não foi editada nem gravada. Tudo indica que tenham subestimado a sua importância (talvez por acharem ser um mero cartão de visita para promoção da versão cénica). Permaneceu, assim, um exemplar guardado no espólio pessoal do compositor… até ser «descoberto» por seu irmão, Ira Gershwin, duas décadas mais tarde. Enquanto isto, o compositor e arranjador Robert Russell Bennett realizou em 1943 uma outra suíte da mesma ópera intitulada Symphonic Picture – esta é, ainda hoje, a versão mais vezes tocada. Ira Gershwin optou por atribuir ao arranjo de Gershwin o título Catfish Row, a fim de evitar equívocos.

A suíte de Bennett destina-se a uma orquestra de dimensão sinfónica, sem piano. Mas Gershwin havia orquestrado originalmente para nove músicos nos sopros madeiras, outros nove nos metais, mais tímpanos, percussões, piano, banjo e cordas. Acontecera ainda que, nas primeiras produções, realizadas em Boston e em Nova Iorque, os efetivos haviam sido reduzidos, pelo que ficaram «de fora» algumas partes orquestrais respeitantes ao início e final de várias cenas, para lá de transições que comprometiam a fluência narrativa. Gershwin recuperou na suíte esses materiais e dispensou os saxofones; que eram presença assídua nos teatros musicais da época.

Tudo começa com a introdução orquestral do espetáculo e o início do primeiro ato; até aparecer a canção «Summertime». As partes originalmente cantadas pelo coro foram substituídas pelas cordas. Acrescentou ainda uma breve referência à Fuga numa configuração que não se ouve na ópera. A segunda peça, Porgy Sings, corresponde ao início do segundo ato e integra as canções «I Got Plenty o’ Nuttin’» e «Bess, You Is My Woman Now». De seguida, ouve-se a Fuga, desta vez conforme no início do terceiro ato, na cena da luta em que Porgy mata Crown (companheiro de Bess) – esta é a única divergência em relação à ordem do libreto. A quarta peça provém da terceira cena do segundo ato, aquando do momento da tempestade. Já o final da suíte, começa com a cena de abertura do segundo ato, uma «Occupational Humoresque» que ilustra as atividades dos moradores de Catfish Row. Seguem-se «Sure to go to Heaven», o espiritual entoado durante o funeral de Robbins e que expressa o luto da comunidade, e «Oh Lawd, I’m On My Way», o solo de despedida de Porgy, quando decide partir em busca de Bess. Encerra assim, com uma nota de esperança.

 

Rui Campos Leitão