O nome de Arnold Schoenberg é indissociável da fundação do atonalismo que tão fortemente abalou a harmonia funcional, um dos pilares da música ocidental. Mas também é sabido que o compositor austríaco sempre reclamou para si a condição de herdeiro do legado musical que se estende de Bach a Brahms. As suas Sinfonias de Câmara ilustram este paradoxo.
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As duas Sinfonias de Câmara de Schoenberg culminam o esforço de síntese e depuração que se impunha enfrentar ao romper do século passado diante da exuberância e dos excessos do romantismo tardio. Ambas refletem, ainda, ambiências impressivas, e não se demarcam completamente da melancolia e do pendor trágico da expressão orquestral oitocentista. Vincam, porém, um ponto de viragem no percurso criativo do compositor e anunciam uma rutura explícita, designadamente quando apontam descomplexadamente para a emancipação da dissonância.
Num só fôlego, a Sinfonia Op. 9 sintetiza as principais técnicas de desenvolvimento discursivo utilizadas até então. Começa com a expectável exposição temática e pontua, seguidamente, o desenvolvimento com alusões dispersas a um Scherzo e a um andamento lento, rematando com um Finale que recupera os elementos apresentados de início. Os quatro andamentos da sinfonia clássica contraem-se, deste modo, num andamento único. Simultaneamente, trabalha a harmonia de maneira absolutamente inovadora, por intermédio de polifonias complexas que anunciam a suspensão das relações tonais tradicionais.
Já a Sinfonia Op. 38, divide-se em duas partes. À semelhança da anterior, o primeiro andamento foi composto em 1906. Teriam sido, portanto, duas obras relativamente semelhantes. Mas foi sem sucesso que ao longo dos dez anos seguintes Schoenberg tentou concluí-la. Só em 1939 tal veio a acontecer, quando o compositor já se encontrava exilado nos E.U.A. A nova sinfonia resulta, assim, num díptico que espelha dois períodos distintos da sua carreira. No primeiro buscava as alternativas à música tonal que deram origem à proposta sistemática do dodecafonismo. No segundo dispõe-se a revisitar o seu próprio passado, numa altura da vida em que era recebido com entusiasmo no Novo Mundo.
Rui Campos Leitão