Os quatro concertos para violino de Vivaldi conhecidos como As Quatro Estações, inspiram-se nos diferentes cenários que a natureza oferece ao longo do ano. Mais concretamente, baseiam-se em quatro sonetos acerca de experiências de vida que contam já quase três séculos, mas que (por enquanto) continuamos a reconhecer.
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Quando Vivaldi fez publicar as partituras destes concertos, em 1725, fez questão de lhes juntar os quatro sonetos em que se inspirou, e cuja autoria se desconhece. Assim, é como se a música ilustrasse uma narrativa poética.
A Primavera evoca o cantar alegre das aves, o murmúrio dos riachos, os prados floridos, a saborosa sesta dos animais e, sempre, muita festa. O Verão lembra o raiar intenso do sol, a prostração do pastor e do rebanho, o cantar dos pássaros, o prenúncio de uma tempestade, os trovões e os relâmpagos, o zumbido dos insetos e a desolação sentida diante das culturas destruídas. Já o Outono, reporta à generosidade das colheitas, aos excessos do consumo de vinho, às festas populares e aos rituais da caça. Por fim, o Inverno, com o tremor do frio, a inquietação dos ventos, o conforto da lareira, a chuva lá fora, o caminhar lento e hesitante sobre a neve, toda a imponência dos rigores da estação.
Concerto para Violino em Mi Maior, Op. 8/1, RV 269, Primavera
I. Allegro
Os pássaros celebram a sua chegada com canções festivas
e riachos murmurantes são docemente afagados pela brisa
Relâmpagos, esses que anunciam a Primavera,
rugem, projetando o seu negro manto no céu,
para depois se desfazerem em silêncio
e os pássaros mais uma vez retomam as suas encantadoras canções.
II. Largo e pianissimo sempre
No prado cheio de flores com ramos cheios de folhas
os rebanhos de cabras dormem e o fiel cão do pastor dorme a seu lado.
III. Danza pastorale: Allegro
Levados pelo som festivo de rústicas gaitas de foles,
ninfas e pastores dançam levemente sobre a brilhante festa da Primavera.
Concerto para Violino em Sol Menor, Op. 8/2, RV 315, Verão
I. Allegro non moto
Sobre uma estação dura
de um sol escaldante o homem descansa,
descansa o rebanho e queima o pinheiro
Ouvimos a voz do cuco;
ouvem-se então as canções doces da pomba
Doces aragens agitam o ar …
Mas os ventos ameaçadores de norte subitamente aparecem
o pastor treme temendo a violenta tempestade e o seu destino.
II. Adagio – Presto
O medo dos relâmpagos e ferozes trovões
roubam o descanso aos seus membros cansados
As moscas voam zumbindo furiosamente.
III. Presto
Infelizmente os seus receios estavam justificados
os trovões rugem e majestosamente cortam o milho e estragam o grão.
Concerto para Violino em Fá Maior, Op. 8/3, RV 293, Outono
I. Allegro
O camponês celebra com canções e danças
a felicidade de uma boa colheita.
Instigado pelo licor de Bacus,
muitos acabam a festa dormindo.
II. Adagio molto
Todos esquecem as suas preocupações e cantam e dançam
O ar está temperado com prazer e
pela estação que convida tantos, tantos
a saírem do seu recobro para participarem e se divertirem.
III. Allegro
Os caçadores aparecem com a madrugada
com trompetes e cães e espingardas começando a sua caçada
A caça foge e eles seguem o seu rasto
Aterrorizada e cansada de tanto ruído
de espingardas e cães, a caça, ferida, morre.
Concerto para Violino em Fá Menor, Op. 8/4, RV 297, Inverno
I. Allegro non molto
Tremendo de frio, no meio de cortantes ventos
os dentes tremem de frio.
II. Largo
Descansa contente na sala
enquanto os que estão fora são atingidos pela chuva que não para.
III. Allegro
Andamos com cuidado no caminho gelado com medo de escorregar e cair
depois voltamos abruptamente e com cuidado, mas caímos no chão e
atravessamos o gelo enquanto não se quebra
voltamos a sentir o cortante vento norte apesar das portas fechadas
isto é o inverno que não obstante tem as suas delícias.
Rui Campos Leitão
Imagem: Veneza no início do século XVIII | Pintura de Luca Carlevarijs | Fonte: Wikimedia Commons