Leonard Bernstein era um contador de histórias. Como alegoria, esta expressão ajuda a retratar a personalidade temperamental de um dos músicos norte-americanos mais fascinantes do século passado. Tudo em grande – Maestro, Compositor, Pedagogo, Comunicador Mediático, Ativista Social…, distingue-se igual paixão, humanismo e aptidão artística em tudo o que fez. Por isso, podemos também buscar a quinta essência do seu legado nas Danças Sinfónicas, uma súmula orquestral do célebre musical West Side Story estreado em palco em 1957 e recriado em cinema quatro anos mais tarde.
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Ensaiado em Washington e em Filadélfia, o musical West Side Story estreou no Winter Garden Theatre da Broadway uma combinação virtuosa de drama e entretenimento. A música desempenha aí um papel substantivo no desenrolar da ação; participa nas dinâmicas teatrais; caracteriza contextos e personagens. O enredo é uma recriação livre da tragédia de Shakespeare Romeu e Julieta e desenrola-se em torno da tragédia amorosa vivida por dois jovens pertencentes a gangs rivais de Manhattan, os Jets (brancos do Bronx) e os Sharks (porto-riquenhos).
Para melhor compreender o projeto, é importante lembrar que na década de 1950 houve uma forte vaga de imigração de porto-riquenhos para os EUA. Estava na ordem do dia a condição das comunidades hispânicas no contexto das mudanças culturais do pós-guerra. Bernstein era filho de imigrantes judeus ucranianos. De natureza inquieta, questionava-se sobre os horrores do Holocausto, mas também de Hiroshima e sobre os Direitos Civis nos EUA. Juntamente com Stephen Sondheim (letras) e Arthur Laurents (libreto), em West Side Story, enfrentou com desassombro questões sociais tão melindrosas como os conflitos étnicos, a imigração e a própria identidade norte-americana. A transfiguração da história de Romeu e Julieta era, portanto, um apelo à tolerância racial. Isso não relega a música para segundo plano – antes pelo contrário –, mas é importante compreender que nas mãos de Bernstein ela não é um fim em si mesma. A música é instrumental no quadro de uma mundividência humanista; daí provém a irreverência de quem desmonta as formalidades e as reverências da tradição musical clássica europeia. Também a ousadia de acrescentar «dissonâncias» à espirituosidade da Broadway. É este ecletismo que lhe permitia sobrepor com à vontade a sofisticação e o mundano.
Assim acontece nas Danças Sinfónicas que estrearam em 1961 no Carnegie Hall. São nove peças que formam um todo orgânico e autónomo, com motivos recorrentes. Dispensam, inclusivamente, algumas das melodias mais populares do espetáculo, tais como America ou I Feel Pretty, para dar relevo às danças e aos momentos instrumentais. Ampliam-se agora as texturas sonoras, mais corpulentas do que na orquestração original, a qual contava somente com vinte e nove músicos, e não incluía sequer violas. Bernstein tinha formação em orquestração e já completara anteriormente duas sinfonias. Porém, nesta matéria, foi assistido por Sid Ramin e por Irwin Kostal ao longo de todo o processo. Tinham agora à disposição uma orquestra de dimensão sinfónica.
A sequência não respeita estritamente a ordem do libreto, de maneira a garantir a fluência que se exige a uma peça de concerto. Mas mantém a essência dramática. A nova partitura também torna mais evidente a aproximação de estilos musicais tão distintos como o jazz, os ritmos de dança latinos, a tradição sinfónica e o teatro musical. Preserva a importância do célebre trítono, o intervalo do diabo que requer sempre resolução e vinca toda a tensão dramática de West Side Story.
O Prólogo ilustra musicalmente o conflito entre os dois gangs. Às primeiras três notas, podemos chamar «motivo da discórdia». Por entre acentuações contundentes, distingue-se bastante bem o tema melódico do gang do Bronx sobreposto a uma valsa pouco vienense. A dada altura, desponta a sonoridade do bebop, por entre a azáfama orquestral. Na segunda peça, Somewhere evoca os desejos visionários de Maria e Tony por uma convivência pacífica. Um solo de viola introduz o tema melódico ao qual respondem a flauta, o violino e demais instrumentos. Dominam as cordas, mas há lugar a vários solos. O Scherzo prossegue no mundo de sonhos. Derrubam-se muros, e os gangs convivem a céu aberto. Ao estilo de Copland, recupera traços da melodia de Somewhere. Regressamos depois ao mundo real, onde os ritmos vigorosos do mambo ilustram o confronto. É feita a primeira alusão aos Sharks, com danças latinas cuja sonoridade era familiar de big bands como as de Dizzy Gillespie. Também o cha-cha-chá, surgido no momento em que Tony e Maria se conhecem e dançam juntos pela primeira vez (Romeu e Julieta). Na Meeting Scene revela-se a atração mútua. A célebre canção Maria expande-se e reinventa-se. A tensão do enredo instala-se em Cool-Fugue, ao ritmo do swing. O conflito irrompe em Rumble, quando os líderes de ambos os gangs morrem. Tony mata o irmão de Maria (Bernardo) depois de este ter morto o seu melhor amigo. A energia frenética deste andamento ilustra a luta. Há ainda tempo para uma cadência a solo na flauta que convida à reflexão sobre o desfecho trágico. O Finale espraia-se numa melodia pungente, em ritmo processional. Esta reminiscência de Somewhere encerra a suíte de maneira interrogativa.
Rui Campos Leitão
Imagem: Leonard Bernstein em 1950 / Benno Rothenberg /Meitar Collection / National Library of Israel / The Pritzker Family National Photography Collection / CC BY 4.0