Este site utiliza cookies. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização de acordo com a nossa Política de cookies.

concordo

A Sinfonia «Surpresa»

É maravilhoso quando uma obra musical concilia a perfeição técnica com a necessidade expressiva. Esta é uma lição que se retira desta Sinfonia N.º 94 de Haydn, uma obra em que o «pai» dos fundamentos do Classicismo Musical combinou a mais depurada síntese do formato Sinfonia com uma jovialidade contagiante. Chamam-lhe «Surpresa», em virtude de um acorde incisivo que se escuta alguns segundos após o início do segundo andamento. O evento inesperado sobressalta invariavelmente os melómanos mais desatentos.

**

Joseph Haydn serviu a corte dos Eszterházy entre 1762 e 1790, o ano em que tudo mudou. A morte do príncipe levou a que a atividade musical diminuísse substancialmente em Eisenstadt. O compositor seguiu então para Viena, e daí para Londres, a convite de um empresário local. Compôs então as primeiras seis Sinfonias de Londres. Em 1792 regressou à capital austríaca, onde permaneceu durante ano e meio. Regressou a Londres em 1794 para compor mais seis sinfonias, e só em 1795 se juntou novamente aos Eszterházy, que agora passavam a maior parte do tempo em Viena. Tornara-se, entretanto, internacionalmente reputado, graças ao sucesso obtido em Londres e ao impacto das partituras que vinha publicando desde 1780.

As primeiras daquelas doze sinfonias visavam conquistar o público londrino. A propósito da segunda, a Sinfonia Surpresa, existem algumas histórias fantasiadas. Dizem as «más línguas» que o tal acorde inusitado resultou de um último esforço para despertar de uma suposta sonolência a plateia da Hanover Square Rooms. Com efeito, foi nessa sala que, a 23 de março de 1792, a sinfonia foi pela primeira vez interpretada, sob direção do próprio compositor. Mas a razão seria diferente. Pretendia surpreender a audiência no contexto de uma rivalidade salutar com o seu aluno Ignaz Pleyel, que pela mesma altura também estreava em Londres uma série de obras orquestrais. A ideia foi bem sucedida e o entusiasmo fez-se escutar na sala com brados de aprovação. Ainda hoje a situação não deixa de nos arrancar um sorriso, ou não fossem a incongruência e o imprevisto os recursos mais eficazes para fazer humor.

 

Rui Campos Leitão