Este site utiliza cookies. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização de acordo com a nossa Política de cookies.

concordo

Sinfonia N.º 39 de Mozart

Wolfgang Amadeus Mozart compôs quarenta e uma sinfonias. As últimas três foram escritas em Viena no verão de 1788, num período de tempo considerado tremendamente curto, face à qualidade artística e à importância histórica que lhes é hoje reconhecida. Cada uma delas tem uma identidade própria, sendo a N.º 39 a mais discreta. Talvez por isso seja a menos conhecida do grande público. Ainda assim, e apesar de não ostentar a mesma liberalidade expressiva, está longe de se resumir à condição de prólogo numa trilogia prodigiosa.

**

1788 foi um dos anos mais difíceis da vida de Mozart, repleto de problemas financeiros e familiares. Aparentemente, a sua música tornara-se demasiado complexa para satisfazer o entretenimento mundano que a cidade de Viena passou a preferir em poucos anos. Teve assim início um período de progressiva decadência pessoal, o qual se estendeu ao longo de mais de três anos e culminou na sua morte. Paradoxalmente, tal decadência teve repercussões inversas no que respeita à produção artística. Isso enjeita quaisquer tentativas de estabelecer um nexo programático entre os episódios da vida do homem e o imaginário criativo do músico. Com efeito, a Sinfonia N.º 39 foi composta no preciso momento em que a acumulação de dívidas se começava agudizar, mas nem por isso transparece tais preocupações. Apesar de não ser desprovida de intensidade dramática, é a mais lírica das derradeiras sinfonias. Esta disparidade assegura-nos que o compositor não a terá composto para recreação própria, apesar de não haver notícia de qualquer encomenda. Teria em mente a obtenção de um retorno financeiro imediato, fosse através da publicação ou, mais provavelmente, de uma série de concertos públicos por subscrição, em seu benefício. Esses concertos nunca terão acontecido. Tão pouco sabemos se alguma vez ouviu a obra ser tocada.

Apesar da discrição atrás referida, há vários aspetos que despontam um deslumbramento notável. Um deles é a tensão que se acumula gradualmente ao longo do primeiro andamento, sem sacrifício de um fio condutor que garante a coerência do discurso musical. Com acordes imponentes e ritmos sincopados, a introdução sugere um registo solene, vagamente evocativo da abertura da ópera Don Giovanni. Desemboca depois numa Forma Sonata que, simultaneamente, reflete a transparência e a elegância tipicamente mozartianas e a densidade expressiva característica da sua última fase.

Destaca-se ainda uma segunda característica que resulta impressionante nesta sinfonia. Designadamente, a Orquestração, a maneira como se combinam as diferentes famílias de instrumentos ao longo dos quatro andamentos. Os instrumentos de sopro são utilizados de maneira particularmente inovadora, em permanente diálogo entre si mesmos e com os instrumentos de cordas. Curiosamente, o compositor dispensou a utilização de oboés, o que era pouco usual na época, numa altura em que os clarinetes ainda estavam a afirmar-se no seio da orquestra. Já no segundo andamento, podemos ouvir intervenções cirúrgicas da flauta, dos clarinetes e dos fagotes. A jovialidade contagiante do Minueto seguinte é interrompida por um Trio particularmente contrastante, onde uma vez mais são protagonistas os sopros, as madeiras e as trompas. A sinfonia remata com um Finale em Forma Rondó cheio de humor, pela maneira obstinada como se enreda em torno de um tema musical único.

 

Rui Campos Leitão