Juan Cristóstomo Arriaga foi um músico excepcionalmente dotado que morreu aos 20 anos de idade, vítima de tuberculose. Como tantos outros que sofreram o mesmo infortúnio, estaria destinado ao esquecimento, não fosse o empenho dos seus descendentes na preservação e divulgação do parco espólio que restou. Chamaram-lhe «Mozart Espanhol» e «Mozart Basco», neste último caso fazendo referência à sua naturalidade. Com efeito, nasceu em Bilbao a 27 de janeiro de 1806, dia que coincidiria com o 50.º aniversário do músico austríaco. Também precoce, muitos anteviram que Arriaga ocuparia um lugar de honra entre os melhores do seu tempo. A Sinfonia em Ré mostra porquê.
**
Ainda hoje, o legado de Juan Cristóstomo Arriaga coloca um rol de dúvidas aos historiadores. Passados quase duzentos anos desde a sua morte (17 de janeiro de 1826), houve largos períodos de esquecimento. Esta sua única sinfonia estreou somente em 1888; a publicação da partitura teve de esperar até 1933. Entretanto, houve azo a muitas narrativas sem sustentação documental e tendentes a mitificar a condição de génio. Mas é certo que, antes mesmo de rumar a Paris, com 15 anos de idade, já tinha composto três quartetos de cordas notáveis e a ópera Los esclavos felices. Chegado ao conservatório da capital francesa, distinguiu-se prontamente, chegando a assumir as funções de assistente do renomado musicólogo e maestro Francois-Joseph Fétis. Estilisticamente, a sua música identifica-se com o classicismo vienense e o despontar do romantismo, o que remete, além de Mozart, para figuras como Rossini, Beethoven e Schubert. Em particular, reconhece-se nesta sinfonia as influências dos últimos dois, sobretudo pela solidez formal e pela inventividade melódica.
A obra deambula por progressões modais e pelas tonalidades de Ré Menor e Ré Maior, o que suscita análises divergentes. Com efeito, apesar de iniciar e concluir em Ré Maior, é em Ré Menor que se alicerça. Por outros lado, alguém escreveu no manuscrito autógrafo «Sinfonia para Grande Orquestra», o que levaria a pressupor um efetivo orquestral alargado. Não é certo, porém, que tenha sido o compositor a fazê-lo. É mais provável que se destinasse a uma orquestra de dimensão clássica, com cerca de trinta a quarenta músicos. De resto, espelha bem as convenções formais de uma sinfonia daquele período, dividida nos tradicionais quatro andamentos. Após uma introdução lenta, o primeiro desemboca num Allegro em forma Sonata construído sobre dois temas melódicos que coincidem numa célula rítmica persistente e contrastes dinâmicos carregados de dramatismo. Os segundo e terceiro andamentos dispõem-se em forma A-B-A. No Andante podemos escutar melodias que poderiam ser árias de ópera. Já no Minueto, destaca-se na secção central o timbre pastoral da flauta. Por fim, o derradeiro andamento precipita-se numa conjugação de força e desenvoltura devedora do estilo Sturm und Drang.
Rui Campos Leitão
Imagem: Placa afixada no N.º 314 da Rua de Saint-Honoré, Paris 1, onde o compositor Juan Crisóstomo Arriaga faleceu a 16 de janeiro de 1826, com vinte anos de idade / Fonte: Wikimedia Commons.