A Sinfonia N.º 2 de Robert Schumann foi durante muito tempo subestimada, no seio do repertório orquestral. Por entre opiniões favoráveis, outras houve que lhe apontaram incoerências formais no primeiro e último andamentos. Com efeito, as expectativas moldadas na tradição clássica não facilitavam a sua aceitação, pois o modo peculiar como Schumann encadeava as ideias desafiava paradigmas. A sua música exige uma escuta liberta de preconceitos, atenta em cada instante a detalhes expressivos que espelham a vida de um artista que compunha como quem escreve um romance, mas sem palavras.
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Quando começou a escrever a Sinfonia N.º 2 Op. 61, no final de 1845, Robert Schumann já havia escrito a Sinfonia N.º 1 Op. 38, a Abertura, Scherzo e Finale Op. 52 e a primeira versão da Sinfonia em Ré Menor, que viria a ser a Sinfonia N.ª 4 Op. 120. Já então era, portanto, um compositor muito experiente em matéria de orquestração. Não é, por isso, prudente contar com qualquer ingenuidade nesse aspeto. Por outro lado, também a instabilidade anímica e os sintomas depressivos que lhe afetaram os últimos dez anos de vida não explicam, por si só, a produção desse período. A este respeito, o primeiro momento crítico aconteceu em agosto de 1844, aos trinta e quatro anos de idade. Só no final do ano seguinte voltaria a compor uma obra de fôlego, precisamente esta Sinfonia N.º 2, que esboçou em três semanas. Quando iniciava a orquestração, no início de 1846, sofreu uma recaída e teve que adiar a conclusão da obra. O medo da loucura passou a dominar o seu pensamento. Coincidiu, portanto, com um momento particularmente difícil, no qual a insegurança deverá ter imperado em muitas ocasiões. Apesar de tudo, o ânimo que prevalece nesta sinfonia não é depressivo. Em vez disso, assiste-se a um ímpeto criativo que sugere uma disposição combativa e até mesmo triunfal.
O musicólogo Anthony Newcomb escreveu em 1984 um artigo que nos desafia a escutar esta sinfonia sem atender às questões anteriores. Defende que a «lógica criativa» de Schumann difere daquela que predominava em meados do século XIX. Divergia do status quo, mas não era disfuncional, e menos ainda absurda. À maneira de uma novela, dispunha as ideias musicais sem cuidar de constrangimentos formais. Não traduzia episódios concretos da sua vida, mas «retratava» emoções que vivera. Assiste-se assim a uma evolução musical baseada em sentimentos e estados de espírito, blocos expressivos que se entrelaçam em processos dinâmicos. Advém daqui a tensão que se sente entre uma dimensão poética despojada e os rigores técnicos que atravessam qualquer obra de arte. Há, por isso, que prestar atenção ao despontar das ideias e acompanhar incondicionalmente o percurso de cada uma delas. Se se entender cada novo motivo como uma personagem que interage com outras, tornam-se diferentes os contextos sonoros que vão surgindo, aparentemente sem nexo formal.
De início ouve-se uma fanfarra distante, com os metais da orquestra, um elemento solene que reaparece pontualmente. Sobrepõe-se o som velado das cordas, num enredado contrapontístico que empresta uma postura reflexiva a este princípio de sinfonia. É um prólogo que preconiza o que se segue, mas que não se confina ao propósito de uma introdução, já que é a partir dele que flui, sem interrupção, a atitude enérgica e combativa deste primeiro andamento, no qual a inconstância expressiva não favorece uma sensação de unidade. Já no segundo andamento, onde predominam os ritmos sincopados, o protagonismo é confiado às cordas, com uma escrita obstinada que contribui decisivamente para um ambiente revolto e exuberante, por duas vezes interrompido pela galantaria dos Trios. E porque é sobre contrastes que se constrói esta sinfonia, o andamento lento é pleno de intimismo e contida comoção. Curiosamente, é a filigrana orquestral que aqui garante o efeito melancólico deste longo terceiro andamento. Por último, o tão criticado Finale apresenta-se como uma das páginas sinfónicas mais bem conseguidas de todo o repertório romântico. Num registo de triunfo e aclamação, congrega os materiais que se ouviram anteriormente, à maneira da Quinta Sinfonia de Beethoven, com a qual esta obra já foi comparada. A música prossegue, consciente de ter desafiado os ensinamentos daquele antecessor. Com irónica deferência, apresenta pelo meio a variação de uma melodia emprestada de uma canção do próprio Beethoven. Nessa canção, que encerra o Ciclo «A Amada Distante» Op. 98, canta-se «Aceita, pois, estas canções».
Rui Campos Leitão
Imagem: Robert Schumann em 1839 | Fonte: Wikimedia Commons