Este site utiliza cookies. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização de acordo com a nossa Política de cookies.

concordo

A Orquestra Sobe ao Palco

Durante a Segunda Grande Guerra assistiu-se nos E.U.A. a um panorama orquestral particularmente fascinante. Achavam-se aí maestros como Leopold Stokowski, na Sinfónica de Filadélfia, Arturo Toscanini, na Filarmónica de Nova Iorque, e Serge Koussevitsky, na Filarmónica de Boston. Em boa medida devido a problemas de saúde, Béla Bartók não beneficiou grandemente por se achar então nesse lado do mundo. Ainda assim, agarrou a oportunidade de compor o Concerto para Orquestra. Fragilizado, mas do alto da sua cátedra, logrou reinventar a escrita orquestral colocando a orquestra em cena como se de um conjunto de personagens se tratasse. O pano abre-se, e tem início um esplêndido espetáculo.

**

Ao longo do Concerto para Orquestra de Béla Bartók não se vislumbram sinais de autocomiseração, muito embora o compositor húngaro não compusesse havia já mais de três anos e se encontrasse debilitado pela doença que o vitimou fatalmente pouco menos de um ano após a estreia, já em setembro de 1945. Em vez disso, e apesar da solenidade circunspecta em que por vezes se instala, esta partitura parece resultar de um exercício lúdico que coloca em discurso direto cada uma das partes instrumentais, como se de uma peça teatral se tratasse. Distinguem-se amiúde os sucessivos «protagonistas», de que são exemplo as curtas (mas salientes) intervenções dos sopros que se estendem ao longo de todo o primeiro andamento. Este andamento apresenta de início uma longa introdução de cunho melancólico, mas logo se entrega em passagens vigorosas que se dispersam num mosaico de ideias e cenários. É no segundo andamento que a «teatralidade musical» é mais evidente, um registo burlesco e feérico das madeiras que contrasta com o coral dos metais. Originalmente intitulado «Apresentação dos pares», nele os intérpretes enfrentam passagens tecnicamente desafiantes sobre uma melodia vagamente evocativa da música tradicional dos Balcãs. É um encadeamento de danças onde os pares se juntam em intervalos musicais que ressurgem em cada vez diferentes no desfilar de fagotes, oboés, clarinetes, flautas e trompetes com surdina. O terceiro andamento, algo fúnebre, desenvolve-se na derivação dos temas melódicos que se ouviram no primeiro andamento. Já o quarto, tem um título que se traduz literalmente como «Intermédio interrompido» e decorre num ambiente de verdadeira comédia. Começa por ser um Noturno, mas vê-se interrompido por uma melodia em jeito de marcha. Reconhece-se a dada altura uma melodia emprestada da opereta de Franz Léhar A Viúva Alegre. Por sinal, Schostakovich havia citado a mesma melodia no primeiro andamento da sua 7.ª Sinfonia, à data bastante popular nos E.U.A. Em verdade, a ironia de Bartók dirigia-se ao compositor russo, reforçada por incontidas «gargalhadas» musicais. O último andamento consiste num vertiginoso perpetuum mobile que remete igualmente para a vitalidade própria das melodias tradicionais.