A Sinfonia N.º 9 de Ludwig van Beethoven, também conhecida por Sinfonia Coral, estreou no dia 7 de maio de 1824 no Teatro da Corte Imperial e Real de Viena. Muitos consideram ser a primeira grande sinfonia da História da Música – opinião que não se deve exclusivamente à sua duração, inédita à época (mais de uma hora). Com efeito, foi uma das obras orquestrais mais influentes ao longo do século XIX. Tem uma complexidade formal sem precedentes, uma orquestração que apontava novos horizontes criativos, premissas artísticas e ideológicas de tal modo ousadas que assume uma dimensão verdadeiramente monumental. Paradoxalmente, questionava o próprio conceito de Sinfonia ao integrar quatro vozes solistas e um coro no andamento final.
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Beethoven completara a Sinfonia N.º 8 doze anos antes. Apesar de os gostos musicais do público de Viena (e de toda a Europa) se terem reorientado naquela época para o género operático italiano, em particular as óperas de Rossini, mantinha-se um respeito inestimável pela figura do compositor alemão. O anúncio de um concerto com novas obras da sua autoria era suficiente para incendiar expectativas. Beethoven vivia em Viena havia mais de três décadas e soubera sempre conquistar os favores de personalidades influentes. Então com cinquenta e quatro anos (idade bastante avançada naquele tempo) e praticamente surdo, tinha-se isolado do mundo exterior. Ainda assim, quando manifestou vontade de estrear esta mesma sinfonia na cidade de Berlim, dezenas de figuras notáveis fizeram publicar uma carta rogando que não o fizesse. Beethoven consentiu. Promoveu ele próprio a organização do concerto cujo programa acrescentou as estreias da Grande Abertura A Consagração da Casa (Op. 124) e três excertos da extraordinária Missa solemnis – o Kyrie, o Credo e o Agnus dei.
Relatos da época dizem-nos que a receção foi entusiástica. Fazem alusão, inclusivamente, ao momento em que o compositor permaneceu absorto no final da apresentação por não se ter apercebido de que a plateia o aplaudia efusivamente por detrás. Será possível, no entanto, adivinhar que a interpretação não tenha sido imaculada, considerando a dificuldade da partitura, a circunstância de participar um grande número de amadores e de ter havido somente dois ensaios com todos os intervenientes – coro, solistas e orquestra. O carisma do nome do autor, o empolgamento do segundo andamento, o lirismo do terceiro e o fervor épico do final terão sido bastantes.
O verdadeiro alcance da obra só se revelou mais tarde. Ao longo dos tempos, em cada vez que é interpretada, transpira sempre algo novo. Desde logo na dimensão musical intrínseca. É fascinante acompanhar as soluções criativas nos mais insignificantes detalhes. Por outro lado, e na continuidade da Sinfonia N.º 3, transmite uma profunda reflexão filosófica, moral e espiritual acerca da natureza humana. É como se apontasse um caminho que nos conduz das trevas ao esplendor de uma existência muito além da esfera artística. Soergue-se como monumento da Humanidade.
Rui Campos Leitão
Imagem: Teatro da Corte Imperial e Real de Viena (Kärntnertortheater) – Pintura de Carl Wenzel Zajicek (Fonte: Wikimedia Commons)