A convicção de que a Música é desprovida (ou não) de ideologia tem sido, e continua a ser, uma questão controversa. Muitos defendem que se basta a si mesma. Outros preferem salientar que nunca dispensa contextos e propósitos que lhe acrescentam «razão de ser». A primeira fação despontou no século XIX e teve o seu auge durante a 2.ª Grande Guerra. Ora, juntam-se aqui dois quartetos de cordas que surgiram logo após o término desse conflito e que, por isso, não deixam de revelar «pontos de vista». Hoje, com a distância do tempo, podemos contemplar os puros talentos de Joly Braga Santos e de Dmitri Schostakovich. É bom pretexto para esquecer por instantes as geoestratégias dos nossos dias.
O Quarteto de Cordas N.º 1 de Braga Santos foi estreado em fevereiro de 1946 na Academia de Amadores de Música, em Lisboa, no âmbito da programação da Sociedade de Concertos «Sonata». Esta foi uma iniciativa promovida entre 1942 e 1960 por Fernando Lopes Graça com o objetivo de dar a conhecer o trabalho de novos compositores nacionais e internacionais no domínio da música de câmara. Trata-se de uma obra que surpreende pela relativa complexidade, o que então respondia à ambição de um jovem muito promissor. Ainda assim, não deixa de espelhar a sua marca d’água, com melodias amplas, desenvoltas, e articulações instrumentais que prendem a atenção.
Já o Quarteto de Cordas N.º 4 de Schostakovich data de 1949, mas só foi tocado em público em 1953, depois da morte de Estaline. Em 1848 o Comité Central do Partido Comunista decretara um regime de censura severo para os compositores. Nesse período, Schostakovich passou a escrever, por um lado, música que servia a doutrina soviética, para veiculação pública. Por outro, mantinha em reserva algumas novas criações, com a esperança de mais tarde serem publicadas. Foram os casos do Concerto para Violino N.º 1, do Ciclo de Canções Da Poesia Popular Judaica e deste mesmo Quarteto de Cordas, também ele baseado em melodias do folclore judaico. Era um manifesto de repulsa contra o antissemitismo que o rodeava.
Braga Santos & Schostakovich
Solistas da Metropolitana
Joly Braga Santos Quarteto de Cordas N.º 1
D. Schostakovich Quarteto de Cordas N.º 4
Alexêi Tolpygo, Ágnes Sárosi violinos, Sérgio Sousa viola, Ana Cláudia Serrão violoncelo
