Na semana em que arranca uma temporada muito especial para a Metropolitana – aquela que vai levar a instituição à comemoração dos 30 anos – o diretor artístico explica como construiu a oferta musical que vai decorrer até julho. O maestro Pedro Neves quer uma Orquestra mais presente na vida dos portugueses e a ser capaz de, com música, ajudar a refletir os problemas da sociedade em que vivemos.
A temporada 21/22 começa mais cedo, já no dia 10, esta sexta-feira, com o Concerto Inaugural e a presença de dois amigos antigos da Metropolitana, Pedro Burmester e Mário Laginha. Porquê esta escolha para inaugurar a temporada?
A escolha do programa e deste concerto para o arranque da nossa temporada tem um significado muito especial porque vamos ter connosco dois grandes músicos e dois grandes amigos da Orquestra Metropolitana de Lisboa, que acompanharam a Orquestra nestes 30 anos de existência. No fundo, eles fazem parte também daquilo que é a história da própria instituição Metropolitana. Esse programa vai apresentar uma nova versão do concerto para piano de Mário Laginha, agora na versão para dois pianos. Portanto, vai ser uma espécie de estreia de uma peça que já existe, mas agora com uma nova roupagem. Mas não ficamos por aqui. Vamos apresentar uma sinfonia que tem um significado especial para a história da música. Trata-se de a Eroica de Beethoven.
Esta temporada liga 10 de setembro a 10 de julho, o Dia da Metropolitana e está dividida em cinco ciclos. Quais os critérios que obedeceram a esta estrutura?
Sim, é uma nova forma de apresentar a temporada, e que reflete a nossa visão do mundo, neste ano em que comemoramos os 30 anos de vida. Aliás, vamos ter um ciclo muito importante para nós. É o Ciclo 30 Anos: de alguma forma, é o nosso exame de consciência, a nossa perceção do caminho que foi percorrido até agora. O papel da Metropolitana na sua relação com a sociedade e as suas causas é o mote para o Ciclo Causas em Família, em que vamos refletir com música este mundo em que vivemos. Mas a Metropolitana não está isolada, queremos perceber a nossa posição em relação à música que se faz no mundo, através da nossa própria música. Esse será o Ciclo Ecos do Mundo. A temporada terá ainda um ciclo mais dedicado ao repertório específico da orquestra e que abraça dois grandes compositores, Bach e Schubert, embora tenha sempre pelo meio uma obra que provoca e surpreende o público. Como já vai sendo habitual, vamos ter o nosso diálogo entre a Orquestra Académica Metropolitana, composta por estudantes, e a Orquestra Metropolitana de Lisboa, totalmente profissional. Esses diálogos compõem o Ciclo Páginas Sinfónicas.
Para além destes grandes ciclos, também teremos vários concertos Fora de Ciclo, como os concertos de Natal, de Ano Novo, de Carnaval e de Páscoa, e os programas de música de câmara, que são já um clássico no planeamento das temporadas da Metropolitana.
É uma temporada que mostra uma Metropolitana mais virada para o Mundo, mais atenta ao que se passa à sua volta. No ano do trigésimo aniversário, era fundamental termos uma Metropolitana mais comprometida com o seu tempo? O Ciclo Causas em Família tem essa preocupação…
É realmente o nosso objetivo e acho que é um objetivo que a música deve ter hoje em dia: aproximar-se da sociedade, do seu público e procurar novos caminhos. Este Ciclo Causas em Família pareceu-nos uma forma muito interessante de, por um lado, abordar os problemas que nos assolam enquanto sociedade e, por outro, através da música, das palavras, dos atores, e com a presença da Catarina Furtado a encenação de João Reis, criar um movimento uno que nos ajude a refletir e procurar soluções para os problemas. Este ciclo, admito, é uma grande aposta nossa, com o objetivo de nos aproximarmos do público e criarmos novas janelas de ligação às pessoas, de as chamarmos para a música clássica.
Já sei que não gosta de rótulos e acredita que a música não deve ser estigmatizada. Mas numa temporada tão rica não podiam faltar clássicos como Bach e Schubert…
Sim, tem razão, não gosto muito de rótulos porque acho que a música é demasiado grande e profunda para caber em rótulos. De qualquer forma, numa temporada tão rica quanto esta, e que olha tanto para este nosso percurso, é muito normal que a orquestra possa ter um ciclo dedicado a compositores que interpretamos tantas vezes e que foram um marco na história da música e do repertório orquestral, casos de Bach e Schubert.
Qual é o melhor presente que a Metropolitana poderia receber nesta temporada em que comemora os 30 anos?
É um presente muito simples: conseguir uma ainda maior envolvência da Metropolitana com o seu público e ver o nosso público cada vez mais presente na nossa vida. Ao longo destes 30 anos fomos capazes de criar laços. E eu acredito que é possível fortalecer ainda mais esses laços. Queremos continuar a chegar cada vez mais ao coração das pessoas
Esta é a primeira temporada programada do zero por si, depois de seis meses como diretor artístico da Metropolitana…
É verdade. Como sabe, eu cheguei a meio da temporada passada, quando parte dela já estava programada pelo meu antecessor, o maestro Pedro Amaral. E, portanto, era, de alguma forma, colocar em prática aquilo que ele tinha idealizado. Depois, tivemos um novo confinamento em janeiro, em que voltámos para casa. Com o regresso, conseguimos estruturar a temporada original sem fazer grandes mudanças e apenas com pequenos cancelamentos cirúrgicos com artistas que estavam longe.
Como avalia estes primeiros oito meses em funções?
Tem sido uma experiência muito enriquecedora, no sentido em que agora consigo ver as coisas de um outro prisma. Eu já tinha dirigido estes músicos em momentos pontuais, mas uma coisa é ser maestro de uma orquestra pontualmente, outra coisa é ser o seu maestro titular. E, sobretudo, é necessário ter um certo equilíbrio entre a área artística e os aspetos terrenos a que estou obrigado, enquanto diretor artístico. É preciso compartimentar as coisas e não as misturar no mesmo saco, que é a tendência natural. Quando estamos a tratar de questões de organização e planeamento, temos de seguir uma linha e quando estamos na componente mais artística, temos de seguir outra.
Para um artista, esse lado organizativo é apelativo ou, pelo, menos, útil?
Não tenho dúvidas que é muito importante um criativo, como é um músico, passar por este trabalho de organização. A nossa profissão leva-nos sempre para o lado artístico e afasta-nos de uma área mais administrativa, mais organizativa. Estes meses que já levo enquanto diretor artístico têm-me ajudado a desenvolver essa maturidade. Esse equilíbrio é fundamental.
É verdade que, como disse, já tinha dirigido estes músicos, mas a avaliação que faz do seu trabalho agora é mais completa, necessariamente. Que análise faz a esse crescimento da Metropolitana?
A Orquestra Metropolitana de Lisboa tem um nível altíssimo e ainda uma margem de crescimento potencial muito alto. O nosso passo para o futuro está nesta estratégia de, em grupo, no coletivo, conseguirmos ultrapassar os obstáculos. É uma orquestra completamente diferente de outras orquestras standard. A OML tem uma flexibilidade imensa, tem um projeto pedagógico associado, o que a torna completamente diferente. O facto de ter, às vezes, que tocar em salas diferentes também lhe dá esta maturidade de que lhe falava.
Ou seja, a falta de uma sala própria é mais uma vantagem do que um calcanhar de Aquiles?
É verdade que não temos uma sala própria. É uma realidade, e não vou ser hipócrita e dizer que isso não seria importante. Claro que era. Mas também lhe digo uma coisa: nós conseguimos fazer o nosso trabalho sem sala, como já o demonstrámos. Haverá um dia em que alguém vai decidir que temos mesmo de ter uma sala. Mas para já não estamos nesse momento. O nosso objetivo é trabalhamos com o que temos e elevar o lado artístico da orquestra cada vez mais. É essa a nossa força. É por isso que toda a gente reconhece, desde os nossos Amigos à crítica, que a OML cresceu muitíssimo nos últimos anos.
E pode crescer mais?
Pode, claro que pode. Pode enquanto Orquestra e pode na capacidade de atrair público. Temos de sair um pouco desta nossa bolha e sabermos conquistar mais público e um público diferente. Há tanta gente neste país que nunca ouviu uma Orquestra! Nós temos de ser capazes de conquistar esse público e mostrarmos-lhe o que fazemos. Temos de provocar sensações nesse público, explicar-lhe como a música faz parte de nós e é importante nas nossas vidas.
E qual o caminho para alcançar esse objetivo?
Continuo a acreditar que um músico completo é aquele que consegue fazer vários tipos de música. E continuo a acreditar que um público completo é aquele que consegue ouvir vários tipos de música, desde que a música seja muito boa. Se nós pudermos mostrar às pessoas a versatilidade da nossa música, e se elas entenderem isso, é ótimo. Claro que há pessoas que vão gostar de um estilo de música e outras vão gostar mais de outro, mas às vezes o preconceito está na nossa cabeça. A nossa obrigação é mostrar boa música às pessoas, seja ela grandes clássicos ou música contemporânea, e as pessoas também têm de estar de coração aberto para ouvir. Já lhe disse que não gosto nada de rótulos. Às vezes, o rótulo da música contemporânea tem este lado negativo. Portanto, não devemos estigmatizar a música. Às vezes, é bom apresentar isso ao público de uma forma honesta, franca. Só música. E até acredito que pode ser uma vantagem misturar épocas diferentes e diferentes tipos de música.
Mais do que nunca, a mensagem bem pode ser… “Traz um Amigo Também”.
Sim, sim [risos]. É isso mesmo, Nós precisamos deste acompanhamento do público, precisamos de partilhar essa nossa mensagem com alguém. Por isso é que a ideia dos Amigos da Metropolitana é muito boa e eu só gostaria de a aumentar. Ou seja, se tivermos cada vez mais Amigos, quer dizer que temos cada vez mais público que nos acompanha nesta viagem. Assistir a um concerto regularmente uma vez por semana é um hábito que se cria, que devemos alimentar. Tenho a consciência que nunca vamos chegar a um público de massas, porque não é esse o objetivo de uma orquestra, mas eu ficava mais feliz se houvesse mais portugueses a perceberem que esta música é acessível e que não é preciso ter um doutoramento para ir a um concerto da OML. É preciso é ir. Não há que ter receio.