Novos artistas associados, novos projetos e desafios, a mesma qualidade e paixão. A Temporada 2018/19 da Orquestra Metropolitana promete um ano cheio de música de excelência. Entrevista ao diretor artístico da Metropolitana, o Maestro Pedro Amaral.

A Temporada 2018/19 está em marcha. Já foi apresentada e está cheia de novidades. Quer revelar-nos o mais importante?
Vamos a isso. Começaria por dizer que esta temporada prossegue uma política continuada que teve início na temporada de 2013-14, quando a atual equipa iniciou funções. A base desta ideia de temporada é o facto de ela assentar num triplo eixo de ação. Ao contrário do que acontece com as nossas orquestras congéneres, a Gulbenkian ou a da Casa da Música, por exemplo, somos uma orquestra que não tem uma sala. E, portanto, tivemos de fazer das nossas fraquezas, forças.
De quer forma?
Tentando reverter aquilo que, objetivamente, é um calcanhar de Aquiles, transformando-o numa espécie de trunfo. Por isso, temos a nossa temporada implantada em três salas, que são simultaneamente três zonas de Lisboa, cada uma com o seu repertório. Quer isto dizer que nós especializámos a nossa atividade, tendo uma oferta claramente diferenciada por salas e por coleções de concertos.
Estamos a falar da Temporada Barroca no Museu Nacional de Arte Antiga, a Temporada Clássica no Teatro Thalia, e a Temporada Sinfónica no Centro Cultural de Belém…
Exatamente. E essa diferenciação, esse eixo central, é absolutamente determinante para a construção do programa. Para a Temporada Barroca, há seis concertos orquestrais para 2018/19. A Clássica tem um conjunto de 13 programas e a Sinfónica oito programas. Depois, claro, como já vem sendo habitual, cada concerto é replicado nos dias seguintes em outras salas do país, com maior incidência na Grande Lisboa.
A Temporada foi apresentada publicamente e há muitas novidades. A começar, por exemplo, pelos Artistas Associados.
Sim, é verdade. E este ano temos três tipos de Artistas Associados. Em primeiro lugar, um artista plástico, que é o Pedro Proença, que, à semelhança do que já aconteceu este ano com o fotógrafo Joel Santos, disponibilizou a sua obra para que pudéssemos ilustrar todos os concertos da temporada. Um outro Artista Associado não é um artista, mas um conjunto de artistas. Trata-se dos solistas do DSCH – Schostakovich Ensemble, um projeto liderado pelo pianista Filipe Pinto-Ribeiro, com Corey Cerovsek e Adrian Brendell, que traz a Portugal o que de melhor se faz na música de câmara ao nível internacional. É com eles que vamos fazer uma parte da nossa temporada, tanto em projetos de música de câmara, como em concertos de orquestra. Finalmente, o terceiro Artista Associado, que é Krysztof Penderecki…
… o decano dos compositores, ainda em grande forma.
Precisamente. O Penderecki é o último dos grandes compositores daquela geração, já com 84 anos. Virá já com 85 anos. A Orquestra Metropolitana de Lisboa, nas suas várias declinações, tanto em orquestra como em música de câmara, interpretará várias obras de Penderecki. E ele próprio virá dirigir a orquestra no último concerto da Temporada Sinfónica, portanto, já em junho de 2019. E dirigirá uma obra sua, o 2º Concerto para Violino e Orquestra “Metamorphosen”, e também uma obra magna do repertório europeu, que é a Sinfonia do Novo Mundo, a nona de Dvorák. Isto é interessante porque nos dá uma ideia de ciclo: o último concerto da Temporada Sinfónica encerra justamente com esta Sinfonia nº 9 de Dvorák, que se encontra no primeiro concerto da Temporada Clássica.
Esta é a base da temporada, mas ainda há muitos outros projetos complementares.
Sim, é verdade. Começava por destacar um projeto que altera um bocadinho a relação que existe entre o público e a orquestra. Normalmente, há uma relação bastante sacralizada com aquelas pessoas que estão ali no palco, num patamar diferente, que se vestem com uma indumentária diferente e formal e que estão em situação frontal, quase neutros ao que se passa na plateia. É uma relação quase como quem está a ver televisão.
Distante e fria…
Sim, muitas vezes sim. E nós temos um projeto que visa, precisamente, dessacralizar essa relação. Já o lançámos há dois anos, tem tido grande sucesso e na próxima temporada vai ser reforçado. Esse projeto chama-se O Dia Seguinte. A ideia é simples: na manhã seguinte a um dos concertos da Temporada Clássica, escolhemos uma peça do concerto da véspera e, durante uma hora, temos ali um concerto para o público, das 11h00 às 12h00 de domingo, com a peculiaridade de sentar o público no meio da orquestra. Portanto, o público está diante do maestro e ao lado dos outros músicos. É uma relação muito gira.
O balanço destes primeiros dois anos tem sido positivo?
Muito positivo. Quando começámos, não sabíamos se ia resultar, mas tem sido um sucesso. De tal ordem que logo que abrimos a bilheteira, esgotamos praticamente todas as sessões. Por isso, este ano, vamos acrescentar um outro formato que também vai na direção de dessacralizar a relação público-orquestra.
Está a falar de O Último Ensaio.
Sim, é uma aposta que julgamos muito interessante, e que pode contribuir para essa proximidade entre o público e a música clássica.
Quer explicar-nos o conceito?
Claro que sim. O Último Ensaio é, no fundo, abrir uma parte de alguns ensaios gerais dos programas de sábado à noite (portanto, os ensaios gerais que têm lugar no sábado de manhã) e dar oportunidade ao público de penetrar na intimidade dos músicos. Uma espécie de janela indiscreta, em que o público pode assistir a uma parte do ensaio geral, testemunhar as relações que se estabelecem entre os músicos, e até entre a orquestra e o próprio maestro. É um momento desprovido do formalismo de um concerto, a começar pela própria roupa. Os músicos não estão vestidos com a indumentária do concerto, mas sim com a sua indumentária do dia-a-dia. E o público tem ainda a oportunidade de conversar um pouco com o maestro e com o solista.
Abrir o ensaio ao público é um pouco como entrar nos balneários de uma equipa de futebol, é entrar no espaço sagrado de uma orquestra. Foi fácil convencer os músicos para um projeto desta natureza?
Foi fácil, sim. É verdade o que diz: o ensaio é um momento sagrado para qualquer músico. Mas, ao mesmo tempo, há uma grande curiosidade para ouvir as pessoas. Eu, enquanto diretor artístico, os maestros e os músicos temos uma grande vontade de alterar a relação que existe com o público. A curiosidade inata que o público pode ter em conhecer aquele ser humano de carne e osso que está a tocar um instrumento é uma curiosidade recíproca. De algum modo, é interessante para o músico conhecer as pessoas a quem se destina o seu trabalho. E, portanto, os músicos aceitaram bem esta ideia. Claro que seria mais complicado se fosse um primeiro ensaio, de leitura. Aí os músicos ainda não possuem o objeto que estão a mostrar. É como um ator que ainda não sabe o texto que tem de decorar.
Nesta nova temporada voltamos a ter dois Concertos de Ano Novo em Lisboa?
Sim, e isso resulta do sucesso que tem sido o nosso Concerto de Ano Novo, que nos obrigou já nesta temporada que agora finda a abrir um novo concerto de manhã. Porque a edição das 17h00 esgotava invariavelmente e havia muita gente que perdia a oportunidade de assistir. Nesta temporada voltamos a ter a edição da manhã e a da tarde no CCB. E depois, nos dias seguintes, repetimos numa série de outras salas, incluindo no Coliseu do Porto.
Olhando para o programa da temporada, encontramos também um novo projeto no Carnaval.
Sim, vamos atirar-nos a uma aventura de natureza mais popular, fazendo os dois coliseus, com um concerto com a melhor música. E essa é a grande diferença. Qualquer grupo pode fazer um concerto de Carnaval, mas o que a Orquestra Metropolitana de Lisboa vai fazer é um concerto com a melhor música escrita pelos melhores compositores de música clássica e romântica para a temática do Carnaval. De Schumann, a Rossini, passando por Berlioz, Paganini e muitos outros. Será no Coliseu do Porto no dia 3 de março, e no Coliseu de Lisboa na própria terça-feira de Carnaval, 5 de março.
E a Páscoa, como vai ser?
Vamos ter um importantíssimo momento na Páscoa integrado no projeto Metropolitana Fora de Portas. Nós temos um importante protocolo com a Orquestra Y Coro da RTVE. Nesta temporada que agora termina tivemos, no quadro desse convénio, muito intercâmbio de músicos cá e lá. E este primeiro ano terminou no sábado passado com o concerto do nosso 26º aniversário, no CCB, com as duas orquestras. Ora, na próxima temporada, a 7 de dezembro, vamos devolver a chamada e atuar em Madrid num concerto também com as duas orquestras. Depois, na Páscoa, para responder à sua pergunta, teremos um projeto muito interessante para nós, integrado neste convénio, que é a realização de um programa com a Orquestra Metropolitana de Lisboa e com o Coro da RTVE. É um programa com uma obra capital do repertório sacro em geral, e do repertório litúrgico em particular, que é a Misse Solemnis, de Bethoven, que é uma espécie de coroação do Classicismo.
Mudemos a agulha. A Formiga Rabiga: que projeto é este a que a Metropolitana se dedicará na próxima temporada?
[risos] Eu descobri que muitos dos nossos músicos, que são também pais de crianças pequenas, são frequentadores regulares da concorrência para concertos familiares. Ou seja, levam as suas crianças a concertos da concorrência. E pensei para mim: ‘que diabo, hei-de encontrar uma forma de os nossos músicos terem em casa este tipo de oferta’. A Formiga Rabiga vai ter o que de melhor se faz em concertos para crianças. Organizámos uma temporada que tem esta peculiaridade – e essa é uma das diferenças a outros projetos familiares que se fazem por aí de forma mais esporádica – de ser regular. No primeiro domingo de cada mês, à exceção de janeiro, teremos um concerto para crianças sempre no Teatro Thalia. E o que vão poder ver as crianças e os pais? As histórias da Formiga Rabiga, uma personagem que inventámos e que é uma formiga que quer ser cigarra. Uma formiga que gosta menos de trabalhar e prefere ouvir histórias, é encantada por ouvir histórias. E são essas histórias que vamos dar às crianças e aos seus pais no primeiro domingo de cada mês, sempre às 11h00 da manhã. Este projeto é um espelho exato do que nós, Metropolitana, somos: uma instituição que é, ao mesmo tempo, um orquestra e três escolas, com uma vertente pedagógica indissociável da sua vertente artística, porque os músicos da orquestra são também professores das escolas.
Como é o trabalho de montar uma temporada? Como é que se faz este puzzle?
É um trabalho difícil mas muito aliciante. Neste caso, torna-se mais difícil porque, não tendo a Metropolitana uma sala, temos de programar para três salas, portanto, tenho de pensar em três temporadas coesas que decorrem ao mesmo tempo. Logo aí há um puzzle temporal e de gestão do esforço: por exemplo, eu não posso ter dois programas consecutivos que deixem a orquestra exausta. Na minha opinião, a construção de uma temporada tem de obedecer a dois princípios. A programação tem de ser, ao mesmo tempo, cativante para o público e estimulante para a orquestra. Eu explico-me: se é cativante para o público mas se para a orquestra é um marasmo, a coisa não funciona. E o contrário também é verdade: pode ser uma coisa fascinante para a orquestra mas distante para o público. Pode ser um fiasco.
É fácil encontrar esse meio termo entre uma coisa e a outra?
Nem sempre, mas é esse o trabalho de um diretor artístico. E isso é válido para a música clássica, como para qualquer outra expressão artística. Cada programa é um desafio neste duplo sentido. Eu tenho de fazer a orquestra descobrir peças que não imagina que existam. Por exemplo, este ano lancei um desafio a um grande músico da Metropolitana, que é o Nuno Inácio, que vai fazer a direção musical e atuar como solista num programa que tem como obras centrais duas peças de Alessandro Scarlatti, obras de flauta escritas no primeiro quartel do século XVIII. São obras raríssimas, são pérolas que alguns flautistas conhecem, mas nem todos. Não sei se o professor Nuno Inácio conhecia estas obras, mas são fabulosas para aquele instrumento. Portanto, ainda que as conhecesse, o facto de poder trabalhá-las é uma oportunidade rara na sua vida. Esta ideia de descobrir uma pedra preciosa que está escondida nos baús da história é evidentemente interessante para o público mas é muito estimulante para os músicos.
Portanto, o objetivo é sempre conciliar o culto da excelência musical, ainda por cima numa entidade como a Metropolitana, que é também uma escola, com o interesse do público, que não pode ser esquecido.
É isso mesmo. Essa ponderação tem de ser feita a todo o momento. E depois há um desafio constante para quem programa: eu tenho de ter noção da sazonalidade. Isso acontece muito em Lisboa. Quando começa o sol e os dias mais quentes, as pessoas fogem para sul, vão para a praia ao fim de semana e, portanto, estão menos disponíveis. Por isso, se olhar para a programação da temporada, verá que nos meses de sol há concertos clássicos. Não é por acaso que a Temporada Clássica de 2017/18, a que agora está a terminar, acaba com um concerto de Chopin e uma sinfonia de Brahms. São clássicos que não se podem perder.
Os números não mentem: a Metropolitana tem vindo a ganhar público de ano para ano.
É verdade. Há um crescimento continuado, sustentado e permanente do volume de bilheteira vendida. Isto é muito importante, não só pelo ponto de vista financeiro, mas sobretudo porque isso é um ótimo barómetro do reconhecimento do nosso trabalho.