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Vasco da Gama

Muito além de uma personalidade ilustre da cidade do Porto, o nome de Berta Alves de Sousa (1906-1997) representa uma das figuras mais emblemáticas da conquista e afirmação das mulheres no domínio da música de tradição clássica. Notabilizou-se enquanto pianista, mas foi também maestrina e compositora, duas atividades que até há poucas décadas raramente acolhiam a participação feminina. Enquanto compositora, destacam-se, sobretudo, as peças para piano solo e música de câmara. Mas assinou também cerca de uma dezena de obras para orquestra. Este poema sinfónico é alusivo à descoberta do caminho marítimo para a Índia e foi uma das primeiras, seguramente a mais ambiciosa.

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Berta Alves de Sousa estudou piano e orquestração no Conservatório de Música do Porto, com Luiz Costa e Cláudio Carneiro. Aos 21 anos de idade, em 1927, prosseguiu em Paris os estudos de piano e iniciou-se em composição, com Georges Migot. Regressou ao Porto na década de 1930 para desenvolver a carreira de pianista. Dedicou-se simultaneamente à composição e à direção de orquestra, tendo frequentado entre julho e outubro de 1936 aulas com o maestro Clemens Krauss no Instituto Alemão de Músicos Estrangeiros, em Berlim. Dirigiu a Orquestra do Sindicato dos Músicos, a Orquestra Ligeira da Emissora Nacional, a Orquestra Sinfónica do Porto e a sua própria orquestra de cordas, composta exclusivamente por mulheres. Na última ocasião em que subiu ao estrado, em 1950 no Palácio de Cristal, apresentou-se à frente da Orquestra Sinfónica do Porto para estrear o poema sinfónico Vasco da Gama, uma obra que havia composto catorze anos antes.

Tratando-se de um poema sinfónico, existe margem para a especulação do ouvinte. Com efeito, é uma partitura carregada de sugestões imagéticas e sonoridades que associamos facilmente a filmes e a livros. Curiosamente, é possível identificar a influência do poema sinfónico de Alexander Borodine «Nas Estepes da Ásia Central», obra que Berta Alves de Sousa interpretou aquando da sua estreia como maestrina, nesse mesmo ano de 1936. Com uma coerência temática irreprensível, baseia-se num curto motivo melódico e rítmico que irrompe logo de início nos metais. São cinco notas que ascendem em dois impulsos. Parece anunciarem as aventuras e desventuras de uma viagem atribulada. As cordas pintam depois a ondulação do mar com movimentações cromáticas. As madeiras deambulam entre os dois cenários. Após esta introdução, assiste-se a uma sucessão de quadros que vislumbram feitos e personagens. Desde logo, um solo de violoncelo, ao qual respondem as madeiras. O tal motivo de cinco notas, assim como os padrões melódicos oscilantes, persistem. A dado instante, a partitura anuncia explicitamente a chegada à Índia, num curto momento coral participado por toda a orquestra. Após uma breve transição, instala-se «O Reino Oriental». Se dúvidas houvesse, o exotismo é vincado por escalas pentatónicas e instrumentações reduzidas onde, pela primeira vez, sobressai a harpa e o som velado do clarinete. Subitamente, o fagote introduz uma secção de temas dançáveis que remetem para a volúpia de antigos haréns. Segue-se «A Caravana…», uma alusão explícita ao galope dos cavalos que faz eco da partitura de Borodine. Tudo prossegue, cumulativamente, rumo a um final épico que recupera o coral ouvido anteriormente para celebrar um dos episódios mais importantes da História de Portugal, quando o navegador português logrou unir a Europa e a Ásia por via marítima.

 

Rui Campos Leitão

 

Imagem: Berta Alves de Sousa | Fonte: Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa